Flávio, o Pai e a Prisão: erro, impulso ou estratégia para 2026?
Flávio pode ter transformado a prisão do pai em estratégia para recuperar protagonismo, radicalizar a base e mirar 2026.
Quando o senador Flávio Bolsonaro convocou uma vigília em frente ao condomínio onde Jair Bolsonaro cumpria prisão domiciliar, interferiu diretamente no curso dos acontecimentos. Horas depois, a iniciativa seria citada pelo STF como um dos elementos que justificaram a prisão preventiva do ex-presidente. Pouco antes da chegada da Polícia Federal, Bolsonaro tentou romper a tornozeleira eletrônica com um ferro de solda. A PF chegou dezoito minutos após o dispositivo ter sido arrebentado — tempo suficiente para alimentar a hipótese real de uma tentativa de fuga.
Especialistas em segurança pública apontam que, se a vigília convocada por Flávio já estivesse instalada na porta do condomínio, com centenas de apoiadores, carros e bandeiras, Bolsonaro poderia ter saído sem ser visto, protegido pelo caos humano que inevitavelmente se formaria. Nesse cenário, o chamado público do senador ganha outra dimensão: deixa de parecer apenas um ato impulsivo e passa a se insinuar como parte de um ambiente planejado de confusão, capaz de elevar o custo político da prisão, reacender a comoção da base radical e posicionar Flávio como herdeiro emocional do movimento às vésperas de 2026.
A partir daí, surge a pergunta inevitável: será que todo esse movimento não buscava justamente devolver à família o protagonismo perdido após a derrota eleitoral, empurrando Jair Bolsonaro para o papel de mártir e recolocando um novo representante do clã como principal nome da direita nas eleições de 2026? Essa hipótese passou a orientar a disputa interna pelo espólio político e simbólico do bolsonarismo — uma disputa que precisa ser observada atentamente por todos e todas que defendem a democracia, o Estado de Direito e os direitos da classe trabalhadora no Brasil.
Flávio sabe que a disputa pelo espólio do bolsonarismo não se limita aos herdeiros biológicos. Ao redor da extrema direita formou-se uma fileira silenciosa de pretendentes que enxergam, na fragilidade da família Bolsonaro, a chance de assumir o comando do projeto autoritário. Governadores que ambicionam projeção nacional, militares de alta patente inconformados com a derrota de 2022, setores ultraliberais que lucram com o caos e oportunistas que alimentam o ressentimento social já farejam o vazio de liderança. Todos tentam ocupar o espaço simbólico deixado pela prisão, reivindicando para si o papel de guia emocional e ideológico da extrema direita brasileira.
É possível, portanto, interpretar a convocação da vigília como parte de uma manobra. Nesse enredo, Flávio não teria agido por imprudência, mas planejado a criação de um ambiente de tensão suficiente para converter o pai em mártir definitivo. A intenção seria maximizar o custo simbólico da prisão, radicalizar a base, estimular uma reação dura do Judiciário e criar as condições emocionais para um reposicionamento interno no campo bolsonarista. Quanto maior o choque institucional, maior o potencial de mobilização — e mais fácil a construção da narrativa de vítima perseguida. Ao final, Flávio surgiria como herdeiro injustiçado, filho resiliente e liderança natural de uma base movida pela dor e pelo espírito de ruptura. É uma lógica fria e estratégica, coerente com a cultura política da extrema direita, que alimenta sua força na comoção permanente e na fabricação do conflito.
Mas também é possível que Flávio tenha agido por impulso, em busca de demonstrar força, convocando sua base para uma coreografia pública de poder e ultrapassando os limites institucionais. A consequência foi imediata: prisão preventiva, desgaste e um colapso estratégico interno. Ainda assim, mesmo esse erro bruto produziu dividendos políticos. No universo bolsonarista, a vítima vale mais que o culpado, e o fracasso — quando habilmente manipulado — pode virar mito. A imprudência transforma-se em sacrifício; o erro, em heroísmo; a desordem, em destino. Numa política movida pela devoção irracional, essa construção simbólica tem enorme capacidade de contágio.
A prisão de Jair Bolsonaro inaugura um período em que a extrema direita tentará reorganizar sua narrativa e redefinir sua liderança, apostando no ressentimento, na vitimização e na ruptura institucional. É justamente por isso que precisamos fortalecer a mobilização popular, ampliar a participação social e defender, de forma intransigente, os direitos do povo brasileiro.
Se o bolsonarismo tenta sobreviver pelo caos, nosso desafio é reconstruir pelo cuidado. E isso exige coragem coletiva, organização territorial e compromisso radical com a justiça social.