Sem política do cuidado, não existe política climática
Sem cuidado e justiça afetiva não há transição ecológica. Esgotamento e trauma também são pauta climática
Por Chris Zelglia para a Cobertura Colaborativa NINJA na COP30
A emergência climática é frequentemente apresentada por meio de dados: toneladas de dióxido de carbono, objetivos para 2050, gráficos de aquecimento. Contudo, essa abordagem técnica mascara um aspecto crucial: a transição ecológica vai além de um simples plano energético; trata-se de um projeto humano. E qualquer iniciativa humana não pode existir sem um enfoque no cuidado.
Em meio a cada objetivo ambiental, existem indivíduos exaustos, comunidades vulneráveis, povos que suportam longos períodos de opressão colonial e pessoas que tentam, da melhor forma possível, manter a esperança na continuidade da vida.
Quando governos e empresas tratam o cuidado como algo secundário — como um detalhe protocolar ou uma pauta restrita à assistência social —, a transição climática se torna refém da mesma lógica que nos trouxe até aqui: a crença de que é possível manter os mecanismos de exploração e extrativismo enquanto se espera que o planeta suporte indefinidamente seus efeitos.
Não se pode sustentar a luta ambiental sobre bases frágeis de subjetividade — isto é, sobre vidas que se mantêm à beira do colapso emocional, sem tempo, segurança ou amparo coletivo.
O futuro não pode ser construído sem tratar as feridas históricas que atravessam os corpos e os territórios.
Há um grande descompasso entre as narrativas triunfantes e a realidade de quem enfrenta as dificuldades ambientais: ativistas sob ameaça, comunidades indígenas em estado de luto contínuo, jovens apreensivos diante de um futuro com raras expectativas.
A vida psíquica — o conjunto das emoções, afetos, desejos e traumas que moldam nossa experiência cotidiana — tornou-se um campo de batalha dentro da crise climática.
Ignorar essa dimensão é uma forma sutil de fugir da crise, pois desconsidera que o sofrimento coletivo também é uma questão política.
Cuidar, nesse contexto, não é apenas um gesto emocional: é uma estratégia política, uma forma de infraestrutura e um elemento de justiça.
Uma transição ecológica desprovida de uma política de cuidado não passa de uma nova maneira de administrar o desastre.
Não se pode ter uma mudança na matriz energética sem uma transformação nas subjetividades — por exemplo, na forma como entendemos o consumo e o tempo.
É necessário redefinir o que consideramos bem-estar e sucesso, substituindo a lógica da produtividade incessante por relações que priorizem a regeneração da vida.
O mesmo sistema que exaure florestas também exaure pessoas. A lógica extrativista invade os corpos, transforma o tempo em mercadoria e o sofrimento em silêncio.
Ao negar o direito ao descanso, ao luto e à pausa, o sistema reforça a ideia de que sentir é sinal de fraqueza, quando, na verdade, é parte da nossa humanidade.
Políticas climáticas que desconsideram a saúde mental, o espaço territorial, a espiritualidade e os laços comunitários perpetuam aquilo que dizem combater.
O capitalismo emocional sequestra a luta climática, transforma o engajamento em espetáculo, a esperança em produto e o cansaço em narrativa heroica.
Na ausência de políticas públicas que protejam os ativistas, a luta climática se torna combustível para o esgotamento social, enquanto o mercado se beneficia de discursos sobre bem-estar e “resiliência”.
Na ausência de políticas públicas que protejam os ativistas, a luta climática se torna combustível para o esgotamento social, enquanto o mercado se beneficia de discursos sobre bem-estar e “resiliência”.
Grupos racializados que vivem em áreas ribeirinhas, periferias e zonas rurais têm pago com seus corpos e memórias por um futuro que o capital insiste em chamar de sustentável.
Reparar faz parte da transição e envolve memória, cuidado e tempo.
É essencial que a política climática inclua proteção tanto psíquica quanto material para defensores ambientais, saúde mental como prioridade nas políticas públicas e programas que garantam renda, habitação e tempo.
Sem tempo, não há espaço para o cuidado, para o reconhecimento das visões de mundo e das sabedorias indígenas e quilombolas, que apontam caminhos mais equilibrados de convivência com a Terra, para as redes comunitárias, a cultura, o descanso, os rituais de luto e a reconstrução da vida em comum.
Cuidado não é idealização.
Cuidado é uma tecnologia social voltada para o futuro — uma forma de reorganizar coletivamente a vida, para que ela continue possível.
Sem ele, a transição ecológica se limitará a uma administração hábil da destruição.



