Responsabilidades do congresso sobre a mineração em terras indígenas
Congresso deve assumir responsabilidade política e técnica sobre mineração em Terras Indígenas.
Em outubro, foi instalado o grupo de trabalho (GT) do Senado para regulamentar a pesquisa e a lavra de minérios em Terras Indígenas (TIs). O GT foi criado pelo presidente da Casa e do Congresso, senador Davi Alcolumbre (União-AP), será presidido pela senadora ruralista Tereza Cristina (PP-MS) e terá o senador Rogério Carvalho (PT-SE) como relator. O colegiado tem 180 dias para propor um projeto de lei a ser votado no plenário do Senado e, depois, na Câmara.

A regulamentação da pesquisa e da lavra de minérios em TIs está prevista na Constituição. Além disso, há cerca de sete meses, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino decidiu que o Legislativo regulamente, em até dois anos, os dispositivos constitucionais que mencionam a exploração econômica dos recursos naturais das TIs.
A previsão constitucional, porém, está subordinada a regras e ritos específicos. Por exemplo, é competência exclusiva do Congresso autorizar essas atividades nessas terras, enquanto, em outras partes do território nacional, a concessão de direitos minerários é feita pela Agência Nacional de Mineração (ANM). Além dos parâmetros já dados na Constituição, o texto prevê que outras condições específicas sejam estabelecidas em lei.
Não é trivial a opção dos constituintes de deslocar essa competência do Executivo para o Legislativo. Ela enfatiza que, nas TIs, a concessão de direitos minerários exige, em cada caso, uma decisão política — e que ela não se limita ao rito administrativo. A exclusividade dessa competência reforça, e muito, a responsabilidade política do Congresso, que vai além de sua atribuição habitual de legislar.
A motivação dos constituintes tampouco foi trivial. A natureza jurídica da TI está em sua destinação permanente à ocupação dos povos indígenas, inclusive das futuras gerações, enquanto os projetos de mineração, via de regra, se estendem por décadas e promovem impactos profundos e danosos nas condições ambientais locais.
Decisões informadas
Antes de qualquer discussão sobre a regulamentação do assunto — e mesmo sobre o contexto político em que ela ocorre — é fundamental explicitar e analisar alguns pressupostos e condições do debate.

Os projetos de lei já em tramitação reduzem a autorização do Congresso a um ato meramente burocrático, que desconsidera essa responsabilidade política ímpar e que, diante de um eventual desastre socioambiental, pode até se converter em responsabilidade judicial.
A primeira pergunta que os integrantes do GT do Senado (e os demais congressistas) deveriam fazer é: de que recursos e informações o Congresso precisaria dispor para exercer, a contento, a sua competência constitucional?
Já se dispõe hoje de tecnologia capaz de estimar remotamente, com razoável precisão, depósitos minerais em qualquer área. Ela não substitui a pesquisa local, mas pode ajudar a aferir a relevância, para o país, de eventual ocorrência mineral nas TIs. São informações essenciais para o Congresso avaliar a adequação dos empreendimentos ao interesse nacional, prevista na Constituição.
O Legislativo não pode correr o risco de autorizar atividades minerárias em áreas ocupadas por grupos indígenas isolados ou de contato recente, muito vulneráveis aos impactos de qualquer atividade econômica. Essas populações são especialmente sensíveis, por exemplo, a doenças comuns entre os não indígenas, como gripe e outras enfermidades respiratórias. Nesses casos, nem haveria como cumprir a exigência constitucional da consulta prévia às comunidades afetadas.
Em cada situação, o Congresso teria de estimar custos e benefícios. O impacto da mineração é especialmente grande em relação aos rejeitos, que podem comprometer a qualidade das águas, o solo e a produção de alimentos, além do risco de destruição de comunidades inteiras, como já mostraram os desastres de Mariana e Brumadinho (MG). O Congresso deveria saber quais e quantas populações, dentro e fora da TI, teriam sua segurança e qualidade de vida possivelmente afetadas.
Quem informa?
No cumprimento de seu papel constitucional, o Congresso poderia recorrer a universidades ou instituições públicas e privadas que disponham de informações relevantes para a tomada de decisão. Mas é de se esperar que as agências de Estado, com suas respectivas competências, tenham atribuição legal de prover as informações necessárias. Órgãos estaduais, Ibama, Funai e, principalmente, a Agência Nacional de Mineração (ANM) e o Serviço Geológico Brasileiro (SGB) têm condições de atender a essa demanda?

As fragilidades institucionais são notórias. A informação disponível é de que ANM e SGB estão sucateados, com quadro de funcionários e orçamento insuficientes. Por causa disso, desempenham mal as suas atribuições e não têm condições de executar a política mineral. O avanço do garimpo ilegal — super equipado, superlucrativo e superpredatório — é prova disso. Do que, então, esses órgãos deveriam dispor para melhorar seu desempenho e, ainda, assumir a responsabilidade monumental de instruir processos relativos a TIs?
Não é demais repetir: a competência exclusiva para autorizar a pesquisa e a lavra mineral em territórios indígenas, atribuída pela Constituição ao Congresso, vai muito além da sua atuação legislativa. Imediatamente após a eventual regulamentação, o Congresso assume um papel central e permanente no processo, com todas as responsabilidades decorrentes. O GT do Senado deve mirar o seu próprio espelho institucional antes de dispor sobre direitos fundamentais dos povos originários.