Homenageado na 49ª Mostra SP, Jafar Panahi fala sobre o poder do cinema diante da repressão
Em entrevista, o cineasta iraniano fala sobre seu filme “Foi Apenas um Acidente”, vencedor da Palma de Ouro em Cannes 2025
Por Lilianna Bernartt
O cineasta iraniano Jafar Panahi foi um dos homenageados da 49ª Mostra Internacional de Cinema, com o Prêmio Humanidade, e esteve em São Paulo para apresentar “Foi Apenas um Acidente” — o filme clandestino que venceu a Palma de Ouro em Cannes 2025 e que agora desponta rumo ao Oscar 2026. Mas Panahi não fala de prêmio como quem fala de conquista. Ele fala como quem fala de sobrevivência. Durante a entrevista, ele repetiu algo que carrega a dimensão de tudo o que viveu: “Eu quero ver meus filmes com o povo do meu país.” Não porque o resto do mundo não o compreenda, mas porque, segundo ele, só quem viveu as marcas que ele viveu reconhece o riso e o silêncio nos momentos em que ele os coloca em cena.
“Foi Apenas um Acidente” parte de uma experiência-limite: Panahi ouviu relatos dentro da prisão, conviveu com homens que estavam há anos encarcerados e, depois de sair, decidiu transformar esse universo em cinema. Mas o filme não é sobre a prisão — é sobre o que a prisão deixa. Um mecânico que acredita reconhecer seu torturador, um sequestro impulsivo e uma dúvida: vingar ou perdoar? Para Panahi, o trauma é matéria viva. Seu filme não reconstrói o horror — ele questiona o que fazemos com os escombros: perpetuar a violência ou interromper o ciclo.
Ele conta que, ao acompanhar exibições ao redor do mundo, percebeu que o público estrangeiro ri em momentos que, para ele, não têm graça. Esse descompasso o fez entender que um filme, depois de pronto, deixa de pertencer ao diretor. Ele passa a ser um organismo que se transforma no contato com o público. E, ao mesmo tempo, o fato de não poder exibir sua obra no próprio país abre um abismo íntimo: o filme pode ser aclamado, pode ganhar o Oscar, pode ser amado pelo mundo — e, ainda assim, continuar invisível para aqueles para quem ele mais gostaria de mostrar.
Panahi não filma apesar da censura. Ele filma dentro da censura, contra a censura e a partir dela. Ele mesmo reconhece que não acredita que o cinema transforme o mundo — mas acredita que o cinema pode impedir o apagamento. Nesse sentido, ele é direto sobre a corrida ao Oscar: “Um cineasta quer fazer filmes e quer que seus filmes sejam vistos.”
As premiações funcionam como caminho para que seus filmes cheguem a mais pessoas. Cada prêmio gera curiosidade, público e fortalece o filme. E isso importa, porque mantém essas histórias vivas. Quem sabe, um dia, essa visibilidade internacional ajude a abrir caminho para que seus filmes possam ser exibidos no Irã e, quem sabe, ele possa assistir a um desses filmes sentado em uma sala de cinema em Teerã, ao lado do seu próprio povo. É o que Jafar Panahi deseja.
                            
                                                                                                


