A proibição do açaí na COP30: um paradoxo corrigido em nome da sustentabilidade e da cultura amazônica

O açaí é muito mais do que um alimento: é parte da história milenar de consumo, pilar da dieta de comunidades ribeirinhas e indígenas

Por Rita Figueiredo

A polêmica sobre a exclusão do açaí dos cardápios oficiais da COP30, que será realizada em Belém, expôs um paradoxo entre o discurso global de sustentabilidade e a realidade amazônica. A medida, inicialmente justificada como prevenção à transmissão da doença de Chagas, gerou forte reação de especialistas, autoridades e da sociedade civil. Diante da repercussão, o Ministério do Turismo reconheceu a proibição como um erro grave e anunciou a republicação do edital, garantindo a presença do fruto símbolo da Amazônia no evento.

O episódio levantou questões fundamentais. Quem visita o Pará compreende rapidamente que o açaí é muito mais do que um alimento: é parte da história milenar de consumo, pilar da dieta de comunidades ribeirinhas e indígenas, fonte de nutrientes e elemento com dimensão até espiritual. Além disso, sua produção, majoritariamente extrativista e familiar, sustenta a economia de milhares de famílias e contribui para a preservação da floresta. Excluir o fruto em um evento que busca soluções para a crise climática soava como uma contradição profunda — valorizar a sustentabilidade no discurso, mas ignorar os alimentos que a representam de forma genuína.

O impacto das mudanças climáticas já ameaça a produção do açaí: alterações nos regimes de chuva, aumento das temperaturas e eventos extremos têm afetado a qualidade e a safra. Em vez de marginalizá-lo, a COP30 deveria justamente transformar o açaí em protagonista — um exemplo vivo da vulnerabilidade e da resiliência alimentar frente à crise climática. Sua presença no cardápio oficial é mais que simbólica: é pedagógica, pois conecta biodiversidade, saberes tradicionais, economia local e preservação ambiental.

É verdade que a preocupação sanitária não é irrelevante. No Pará, a transmissão oral da doença de Chagas por consumo de açaí mal processado é uma realidade epidemiológica. Mas a proibição era uma resposta simplista para um problema complexo. Já existem tecnologias seguras e eficazes, como o branqueamento, que elimina o parasita sem comprometer a qualidade do fruto. Boas práticas de manejo e processamento também são determinantes para assegurar a segurança alimentar. O desafio, portanto, não é banir o açaí, mas garantir fiscalização, apoio técnico e investimento em tecnologias que permitam consumo seguro para todos.

A decisão inicial de exclusão representava não só um estigma para o alimento mais emblemático da cultura paraense, mas também uma oportunidade perdida de mostrar ao mundo a integração entre ciência, tradição e sustentabilidade. A reviravolta promovida pelo Ministério do Turismo corrige essa rota: agora, a COP30 pode transformar o açaí em um exemplo de como a inovação e a cultura local caminham juntas.

Assim, a republicação do edital não é apenas uma vitória cultural, mas também política e científica. Ela reforça que a Amazônia não deve ser vista apenas como cenário, mas como protagonista de soluções. O açaí nos pratos da COP30 sinaliza ao mundo que sustentabilidade, segurança alimentar e justiça social só fazem sentido quando caminham lado a lado com a valorização das comunidades que vivem e protegem a floresta.

Sobre a autora

Rita Figueiredo dedica-se há mais de 15 anos a investigar o açaí sob múltiplas perspectivas. Sua trajetória vai além da análise nutricional: o fruto amazônico é, para ela, um fio condutor que entrelaça arte, ciência, cultura e política.