O lema com que Donald Trump venceu as eleições presidenciais nos Estados Unidos  ‒ “América First” ‒ é uma renúncia à hegemonia norte-americana que prevaleceu, pelo menos, desde o final da Segunda Guerra Mundial. Essa hegemonia está, agora, sendo substituída por outro tipo de imperialismo, baseado na dominação, estrito senso.

Foto: Donald Trump | @TheWhiteHouse – Fotos Públicas

Impérios não caem do dia para a noite. Embora ocorram situações específicas que podem agravar sua decadência ‒ guerras, epidemias, crises econômicas ‒ são resilientes e, via de regra, impõem enormes sofrimentos ao povo dominante e, sobretudo, aos dominados.

A reemergência de Trump ao poder, mais fortalecido pelo resultado eleitoral no ano passado, está impondo uma inflexão histórica, que combina autocracia e exclusões internas com unilateralismo e arrogância nas relações internacionais. São posições de força (os EUA ainda são muito fortes) que, no entanto, carregam indicativos de fraqueza.

Democracia em crise

Trump tem escorraçado os nascidos em outros países que vivem nos EUA. Trata-os como criminosos, enquanto persegue não só imigrantes em situação ilegal, mas estudantes e trabalhadores em situação legal. Espalha o terror entre eles, com ímpetos de racismo. Talvez institua algum tipo de forma de trabalho precário para manter por lá a mão de obra para a agricultura, construção civil e serviços sub-humanos que os norte-americanos não estejam mais dispostos a fazer.

Protesto em Nova Iorque pela libertação de Mahmoud Khalil, estudante palestino sequestrado pelo governo dos EUA | RS / Fotos Públicas

Trump descumpre decisões judiciais, ameaça jornalistas e órgãos de comunicação, impõe identidade sexual binária aos que fazem outras opções, pressiona empresas e instituições que financiam atividades que ele abomina e chantageia as universidades sobre o que elas podem, ou não podem, ensinar.

A democracia liberal foi o regime que ofertou a base ideológica para os EUA exercerem a sua hegemonia mundial e marcar uma suposta superioridade civilizatória sobre a Rússia, a China, a Índia e o Irã, entre outras potências regionais. Com atos protoditatoriais, Trump está anulando essa superioridade e nivelando os EUA por baixo. Esse é um sintoma de fraqueza inerente ao uso que ele faz da força.

Guerra comercial

A degeneração da democracia tem provocado fortes reações e protestos de massa, mas são as consequências da guerra tarifária promovida por Trump contra o resto do mundo que já afeta o mercado e alarma parte dos empresários. Uns e outros têm recebido generosas isenções do governo, mas os que investiram na globalização inventada pelos próprios EUA estão sendo muito afetados pelo encarecimento de componentes industriais e da exportação de produtos agrícolas.

Trump resolveu cortar as relações comerciais com a China por meio da imposição de tarifas pornográficas às importações de produtos chineses, provocando retaliações em escala. As duas maiores economias do mundo estão sangrando e ainda é difícil avaliar até onde os impactos da guerra comercial podem chegar. Canadá, União Europeia e outros países buscam diversificar, com urgência, as suas parcerias comerciais e reduzir a dependência histórica dos EUA.

Esses movimentos também tendem a provocar inflação, desemprego e desabastecimento nos próprios EUA. Pesquisas de opinião apontam uma redução de 14% no apoio da população ao presidente, o que é muito para apenas 100 dias de mandato. Se o desgaste se aprofundar, Trump poderá, antes de cair, recorrer aos descaminhos da ditadura e da guerra.

Brasil na dança

A guerra de tarifas, prolongada, deve causar uma recessão mundial e nenhum país sairá ileso dela. Trump afirma que pretende derrubar o elevado déficit comercial dos EUA, para o qual o Brasil não contribui, já que a balança comercial entre os dois países é bastante equilibrada. Mas os objetivos de Trump vão além e incluem obter vantagens comerciais com qualquer país.

Fábrica de alumínio no Brasil | Gerdau / Divulgação

Por enquanto, as exportações para os EUA do Brasil foram taxadas em 10%, o menor índice aplicado por Trump, o que alguns analistas acham que é pouco, considerando as taxas pornográficas impostas à China. Mas não é pouco se considerarmos as possíveis perdas de produtividade de vários setores. Também é bom lembrar que está vigente a taxa específica de 25% sobre o aço e o alumínio exportados para os EUA.

Na verdade, os 10% foram atribuídos a muitos países, e para alguns representou um recuo em relação a taxas anteriores. Essa redução se deveu à percepção de Trump de que taxas muito altas criariam um vazio que a China poderia ocupar. Tendo a China resistido à pressão dos EUA e retaliado as taxações, sendo a sua maior concorrente, Trump recuou para priorizá-la e tentar isolá-la. Os 10% não são uma dádiva, mas uma tática momentânea.

Encruzilhada

Trump já disse que o Brasil não é um parceiro relevante, mas também já o acusou de taxar os produtos dos EUA de forma injusta. Significa que estamos na mira. Não há porque nos acomodarmos aos 10%. Lula o criticou, mas, por hora, priorizou a diplomacia, e não a retaliação. Só que a situação tende a se agravar.

Edézio Miranda / Agroicone

Como a tática de isolar a China não está surtindo os efeitos desejados, Trump pretende discriminar os países que mantêm relações com o país oriental, afirmando que terão que escolher entre ele e os EUA. A China é a principal parceira do Brasil e as relações comerciais deram um salto após o tarifaço de Trump. Lula deve visitar o país, em breve, visando aprofundar essa parceria.

Para o Brasil, não faz sentido romper a relação com a China, tampouco com os EUA, seu segundo maior parceiro comercial. No caso de imposição, o Brasil terá que dispor de uma estratégia de resistência, diversificando fornecedores e compradores. Lula vai precisar de aliados internos, como o agronegócio, que depende da China e concorre com os EUA, e externos, concretizando, por exemplo, o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia.