Ribeirão das Neves precisa e merece uma nova narrativa. Uma cidade construída pelas mãos de trabalhadores e trabalhadoras, historicamente marcada pela presença do sistema prisional, carrega hoje a urgência de ressignificar o que lhe foi imposto como destino. A Penitenciária José Maria de Alkimim, a mais antiga da cidade, é símbolo dessa história – e também pode ser o ponto de partida para uma transformação.

Desativar a Penitenciária José Maria de Alkimim não é apenas necessário. É urgente. É uma ação de justiça social, de cuidado com a cidade e com as pessoas. Para isso, é preciso vontade política da Secretaria de Justiça do Estado de Minas Gerais. O primeiro passo é simples, possível e simbólico: parar de encaminhar novas pessoas para lá. Nenhuma nova pena deve ser cumprida em uma unidade que já deveria estar encerrando suas atividades.

Ribeirão das Neves não pode continuar sendo o depósito de um modelo de encarceramento ultrapassado, racista e ineficaz. O sistema prisional adoece – adoece as pessoas privadas de liberdade, os trabalhadores, os familiares. E quem vive na cidade também sente. Sentimos quando nossa identidade é reduzida aos muros do cárcere. Sentimos quando os investimentos somem, quando os estigmas chegam antes das oportunidades.

Não estamos sozinhas nessa luta. Diversos estados brasileiros já provaram que é possível fazer diferente. Em Pernambuco, na Bahia e no Ceará, unidades prisionais foram desativadas e seus espaços transformados em equipamentos de educação, cultura e economia solidária. Em Minas Gerais, também temos essa possibilidade. Não é sonho: é decisão política.

Queremos mais. Queremos um curso de Direito, uma universidade instalada onde hoje há grades. Queremos a juventude estudando onde antes havia punição. Queremos estagiários e estagiárias da Defensoria Pública circulando em um campus, não dentro de celas. Queremos cultura, queremos formação, queremos trabalho digno.

Mas essa transição precisa ser feita com planejamento, com diálogo e com respeito. Os trabalhadores e trabalhadoras da penitenciária devem ser ouvidos. Muitos vivem em Neves com suas famílias e sustentam suas casas com esse trabalho. Eles devem ter garantido o direito de permanecer em suas comunidades e exercer suas funções com dignidade.

A escuta à sociedade civil, às lideranças do território e aos órgãos de justiça é essencial. O compromisso com a vida e com os direitos humanos exige que essa decisão seja tomada com responsabilidade, garantindo reparação histórica para uma cidade que há décadas paga um preço altíssimo por carregar o peso do sistema penitenciário mineiro.

Nós conhecemos a potência de Ribeirão das Neves. Conhecemos as hortas, os quintais, as tradições, os saberes, a fé e a força do nosso povo. A penitenciária agrícola pode dar lugar a um polo de inovação popular, onde o plantio, o cuidado e a formação caminhem juntos.

O passado nos marcou, mas é o futuro que deve nos guiar. Chegou a hora de transformar o símbolo do encarceramento em símbolo de liberdade. E isso começa agora.

Deputada Andreia de Jesus
Vice-presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais