
Profissão sacerdote: como ‘Conclave’ nos fornece uma dimensão humana dos líderes religiosos
O filme revela como os impulsos humanos dos cardeais são a força motriz na eleição de um novo pontífice.
Por Camila Santos
Trabalhando na área de licenciamento de conteúdo, certa vez, vi-me conduzindo uma negociação para a concessão de licença de uso de imagens a uma editora de livros vinculada à Igreja Católica.
Ao elaborar a minuta contratual, chamou-me a atenção a qualificação da outra parte, especialmente o fato de o administrador responsável pela editora informar como profissão “sacerdote”. Essa circunstância surpreendeu a mim e a meus colegas, revelando uma mistura de ignorância e ingenuidade de nossa parte, pois nunca havíamos refletido sobre algo que deveria ser evidente: o pastoreio das ovelhas é, também, uma atividade profissional.
Ao assistir a Conclave, a lembrança dessa experiência pessoal veio à tona. Tecnicamente, o filme merece elogios por fornecer uma visão minuciosa do processo de eleição do líder do catolicismo, além do primoroso trabalho da direção de arte e da fotografia, que brinda o espectador com planos carregados de significado. Some-se a isso a atuação soberba de Ralph Fiennes, que encontra um contrapeso ideal no trabalho do colega de cena Stanley Tucci. Tudo isso é conduzido de maneira a manter a tensão constante e garantir sucessivas reviravoltas, transformando o filme em um thriller dos melhores — e mais concisos, considerando suas apenas duas horas de duração.
A breve enumeração dos pontos fortes da obra serve de introdução para a ideia central desta análise: a virtude do filme em nos aproximar daqueles cuja humanidade muitas vezes é esquecida.
O cardeal Lawrence, vivido por Fiennes, enfrenta uma batalha tanto interna quanto externa. Enquanto se vê encarregado de conduzir o complexo processo de escolha do novo pontífice, precisa administrar os ânimos de seus pares, especialmente daqueles que temem a ascensão de uma ala mais conservadora da Igreja. Lawrence torna-se o mediador de um conflito latente, mas de enorme amplitude, no qual as disputas de poder se manifestam de maneira sutil. Além disso, sua consciência — aquilo que admite para si e para os outros sobre suas ambições de se tornar papa — parece entrar em conflito com seus desejos mais profundos, que são trazidos à tona pelo amigo e confidente, o cardeal Bellini, interpretado por Tucci.
Logo no início do filme, um dos primeiros planos mostra um grupo de cardeais fumando juntos, e, em seguida, as guimbas de cigarro espalhadas pelo chão. Essa cena, apesar de aparentemente trivial, carrega um forte simbolismo: homens de Deus também podem cometer atos considerados impróprios. Afinal, vícios que comprometem a saúde são entendidos como formas de atentar contra a própria vida, sem mencionar os danos ambientais que causam. Essa é a isca para tudo o que vem a seguir.
À medida que Conclave se desenrola, suas situações parecem refletir experiências comuns em ambientes corporativos. Há momentos de cordialidade compulsória com colegas de temperamento difícil, alianças baseadas em afinidades ideológicas que resultam na formação de facções, estratégias para alcançar posições de poder e manobras para impedir que esse poder caia nas mãos de desafetos — ou, ao menos, a torcida para que isso não aconteça.
O filme também se destaca pelo uso inteligente dos enquadramentos: ora fechados e intimistas, ora abertos e grandiosos, evidenciando a imponência da arquitetura do Vaticano e seu caráter, por vezes, hostil e opressor. A grandiosidade do espaço, uma alegoria do poder divino, contrasta com a fragilidade humana dos que ali transitam. O figurino reforça esse contraste, com vestes cerimoniais imponentes sendo contrapostas a trajes simples usados nos momentos de descanso ou em conversas privadas.
Além disso, o imponderável se faz presente como um fator inevitável, a que todos estamos sujeitos — até mesmo os mandatários de Deus. Por mais que se almeje o controle e se tente dominar variáveis para moldar os resultados desejados, a vida sempre impõe circunstâncias imprevisíveis, que escapam à capacidade humana de antecipar e manipular cenários.E é assim que Conclave, apesar de abordar um evento altamente específico e cuja dimensão doutrinária pode não ser plenamente assimilada por todos — afinal, na visão católica, o papa é escolhido por Deus, independentemente das articulações humanas —, alcança aquilo que toda grande obra artística almeja: gerar identificação com seu público.
Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.