Por João Victor Almeida

O Oscar é a premiação de maior repercussão na indústria cinematográfica, movimentando não só o mercado estadunidense, mas o de todo o mundo. Apesar de, teoricamente, celebrar o melhor do cinema, muitas coisas que ocorrem nos bastidores podem influenciar a premiação, como a escolha de novos membros, campanhas (honestas e desonestas) para divulgação, escândalos envolvendo pessoas ligadas aos filmes indicados, escolhas contestáveis da própria Academia para indicação e premiação de certos filmes ou a não indicação e a não premiação de filmes que hoje são considerados clássicos e referências para o cinema mundial.

Hoje, por exemplo, pergunta-se: como Charles Chaplin e seu filme “O Circo” ficaram de fora da edição de 1929? Seria um boicote ao gênero da comédia? Ou havia filmes melhores naquela temporada? Ou: por que “Cidadão Kane” não teve um maior reconhecimento no Oscar de 1942? “Como Era Verde o Meu Vale” merecia ter ganhado o Oscar de Melhor Filme naquele ano? E como “O Exorcista”, uma das referências do gênero de terror, não venceu as categorias principais do Oscar de 1974? Vejamos três exemplos de filmes clássicos que tiveram o desempenho na premiação afetados por questões de bastidores.

Charles Chaplin e o Oscar

A primeira edição do Oscar foi marcante, mas aquela quinta-feira, dia 16 de maio de 1929, deixaria um gosto amargo na vida de Charles Chaplin com seu sucesso de 1928, “O Circo”, filme que foi desclassificado daquela edição.

Foto: United Artists/Divulgação

A Academia não tinha a dimensão que tem hoje e se restringia a apenas 243 membros. As indicações e os vencedores eram definidos de uma forma bem diferente da que é feita hoje em dia. Na primeira lista de indicados, “O Circo” foi nomeado para as categorias de Melhor Produção (que equivalia a Melhor Filme), Melhor Direção de Comédia, Melhor Roteiro e Melhor Ator. Porém, uma reunião mudou tudo.

O chefe do comitê que decidia os vencedores era Louis B. Mayer, também executivo da MGM, que determinou a retirada de “O Circo” da premiação. A alegação dele era que o prêmio, que na época se chamava “Prêmio de Mérito da Academia”, seria descredibilizado caso premiasse um filme de comédia, já que a premiação havia sido criada para valorizar o drama.

Décadas depois, o verdadeiro motivo da retirada de “O Circo” da lista de indicados ao Oscar de 1929 foi revelado. Chaplin e o executivo da MGM tinham desavenças que duraram anos porque Mildred Harris, ex-esposa de Charles Chaplin, abriu uma empresa em parceria com Louis B. Mayer, que nomeou de Chaplin-Mayer Pictures, algo que foi visto pelo Charles Chaplin como uma provocação e que o fez agredir fisicamente Louis B. Mayer na primeira oportunidade que teve.

Como prêmio de consolação, Charles Chaplin recebeu, em 1929, um prêmio honorário, que ele usaria como peso de porta. Após isso, a lenda do cinema mudo só receberia uma homenagem no Oscar em 1972, quando foi aplaudido por 12 minutos ao receber outro Oscar honorário.

Foto: © 44th Annual Academy Awards / Academy of Motion Picture Arts and Sciences (AMPAS)

Como “Cidadão Kane” fracassou no Oscar de 1942? 

Outra curiosidade envolvendo o Oscar foi na edição de 1942. O grande filme daquela temporada e favorito a vários prêmios da Academia foi “Cidadão Kane”, dirigido por Orson Welles. O filme foi indicado a 9 Oscars. 

Foto: RKO Pictures/ Divulgação

É bem curioso pensar que “Cidadão Kane” é considerado um dos melhores filmes de todos os tempos, sendo colocado em primeiro lugar em muitas listas, e não teve reconhecimento no Oscar.

A explicação para isso está na sua provável inspiração. A obra-prima de Orson Welles retrata a vida de um homem de origem pobre que se torna uma das pessoas mais ricas do mundo. Há rumores de que “Cidadão Kane” teria sido inspirado na vida do magnata William Randolph Hearst, e isso já era disseminado desde a primeira sessão teste do filme em janeiro de 1941, mas essa informação sempre foi negada por Orson Welles. 

Hearst, como retaliação ao filme e ao estúdio RKO, promoveu um boicote aos produtos da empresa, não fazendo menção a ela em seu jornal e ameaçando que poderia fazer mais. Até aquele momento, Hearst sabia apenas por boatos do que se tratava o filme. Por isso, ele ordenou que a sua colunista Louella Parsons e seus advogados fossem assistir a uma sessão fechada para confirmar se o filme tinha semelhanças com sua vida. 

Parsons, ao assistir a produção de Orson Welles, concluiu que o filme era um ataque a William Randolph Hearst e influenciou o magnata a fazer qualquer coisa para que o filme não chegasse aos cinemas.

O prestígio de Randolph Hearst no meio era muito forte e ele conseguiu que o filme não estreasse em fevereiro, que era a previsão inicial, tirando o filme do circuito Nova York/Los Angeles. Tal pressão fez com que a Hedda Hopper publicasse uma nota afirmando que a disputa entre Hearst e Welles era a maior da história do cinema, e que o diretor do filme sairia derrotado.

A retirada do filme dos circuitos de duas das cidades mais importantes no contexto cinematográfico dos Estados Unidos fez com que o filme tivesse uma bilheteria baixa, mesmo com os esforços de Orson Welles para tentar negociar uma nova data de lançamento com os cinemas, o que chegou a ocorrer, com a assinatura de contratos que, em boa parte, não foram cumpridos.

Apesar das controvérsias e boicotes, o filme conseguiu indicação a 9 categorias do Oscar. Um grande feito para um filme com pouca bilheteria. A realidade era que o longa-metragem de Orson Welles era bastante elogiado pelos membros da Academia, o que pode ser comprovado com notícias da época, que colocavam “Cidadão Kane” como o grande favorito daquela edição. 

Ciente disso, William Randolph Hearst teria atuado nos bastidores para que “Cidadão Kane” não recebesse reconhecimento.

Para a 14ª Cerimônia de Premiação do Oscar, houve mudanças significativas em relação às edições anteriores. Naquela época, a Academia tinha em torno de 700 membros, mas a edição de 1942 teve 10 mil votantes, o que é explicado por uma mudança que permitiu que pessoas vinculadas aos sindicatos, mas que não faziam parte da Academia, pudessem votar. E foram essas pessoas determinantes para o que aconteceria naquele Oscar.

Algumas hipóteses tentam explicar por que esse grupo foi fundamental para o fracasso de “Cidadão Kane” no Oscar de 1942: a dificuldade de acesso ao filme, votantes que aderiram à campanha de William Randolph Hearst e a campanha massiva que a Fox fez para promover “Como Era Verde o Meu Vale”, que se sagraria o grande vencedor daquela edição, incluindo na categoria de Melhor Filme e Melhor Diretor.

Louella Parsons liderou uma campanha mirando os votantes que não eram membros da Academia com dizeres como “Qualquer um, menos Welles”, “Qualquer filme, menos ‘Cidadão Kane’.” Orson Welles também não recebeu menção na coluna de Parsons durante toda a década.

O único prêmio que “Cidadão Kane” receberia na noite do dia 26 de fevereiro de 1942 seria o de Melhor Roteiro, porque o sindicato dos roteiristas não aderiu a todo o boicote e ataques feitos ao filme, apoiando Welles e Mank desde as sessões testes.

O resultado daquele Oscar foi um escândalo que estampou os principais jornais que cobriam a premiação e, por muito tempo, foi considerado o maior escândalo do Oscar. Hoje, “Cidadão Kane” é amplamente estudado nas faculdades de cinema e é referência pela técnica e pela originalidade.

O caso “O Exorcista” e o boicote da Academia a filmes de terror

Quando se fala em melhores filmes de terror, é impossível não citar “O Exorcista”, que é um dos filmes mais importantes de todos os tempos. O longa-metragem dirigido por William Friedkin estreou no final de dezembro de 1973 e foi um instantâneo sucesso de crítica e público. As filas imensas para assistir ao filme viraram até notícias e charges.

No mês seguinte, tudo começaria a mudar quando saíram entrevistas de padres criticando o filme e a abordagem religiosa nele, descrevendo-o como sendo um filme perigoso e que era um desserviço à psicologia e à psiquiatria. 

Foto: Warner Bros. Entertainment/Divulgação

O boicote a “O Exorcista” começou com Robert Aldrich, que tinha se oferecido para dirigir o filme, mas, diante de uma cláusula do contrato que previa que o autor do livro tinha poder de escolher o diretor, não foi aceito. O filme acabaria ficando a cargo de William Friedkin, que tinha se destacado anos antes com “Operação França”. Como uma forma de “vingança”, Aldrich, percebendo que “O Exorcista” tinha grandes chances de vencer vários prêmios do Oscar, tentou convencer os votantes da Academia a não premiar o filme de Friedkin, com o argumento de que premiá-lo  seria o fim de Hollywood.

Um outro elo dessa história foi George Cukor, que era um dos homens mais influentes de Hollywood daquela época. Ele foi o responsável por acabar com as chances de “O Exorcista” nas principais categorias. Em uma reunião sobre os filmes, Cukor falou mal do longa e de William Friedkin, acusando-o de utilizar métodos ruins com os atores, levando-os ao extremo para conseguir uma atuação perfeita, e de ser blasfemo contra a Igreja Católica.

Nessa reunião, uma decisão polêmica foi tomada: a retirada da categoria de efeitos visuais, sendo a primeira e única vez que a categoria não fez parte da premiação. Essa decisão foi tomada com a justificativa de que, naquela temporada, não havia nenhum filme com grandes efeitos visuais.

“O Exorcista” foi indicado em 10 categorias, mas saiu da premiação com apenas duas estatuetas: a de Melhor Roteiro Adaptado e de Melhor Som. O resultado gerou polêmica. William Peter Blatty, autor do livro e roteirista do filme, expressou insatisfação com a derrota de “O Exorcista” em Melhor Filme e argumentou que era um preconceito que a Academia tinha com o gênero. 

Até hoje, apenas sete filmes de terror foram nomeados para a categoria principal do Oscar.

Esses casos históricos dos bastidores demonstram como desavenças internas, boicotes a filmes e a determinados gêneros afetam os rumos da premiação desde o princípio, podendo deixar a qualidade, muitas vezes, como último critério.

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.