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‘Não é só fazer um filme’: diretoras enfrentam cadeia industrial que não privilegia mulheres
Em quase um século de história, o prêmio reflete um mercado cinematográfico ainda dominado por homens.
Por Leonardo Siqueira
Coralie Fargeat é a nona mulher indicada ao Oscar de Melhor Direção. Apenas três venceram a premiação. A dominância masculina é evidente não só na Academia, mas também no mercado audiovisual brasileiro, que, por décadas, impõe barreiras às novas narrativas trazidas por mulheres.
“Esse roteiro não quer dizer nada, o que você tem de novo?” foi o que ouviu a diretora Carine Santos, 25 anos, de um colega de turma durante o curso de Rádio e TV, em 2019. A frase não a desmotivou; tempo depois, o projeto foi eleito o melhor do semestre.
A indústria cinematográfica deixa pouco espaço para direções femininas. Até hoje, somente nove mulheres foram indicadas ao Oscar de Melhor Direção, e nunca houve uma nomeação na categoria de Melhor Direção de Fotografia.
A primeira indicada foi a italiana Lina Wertmüller, em 1977, pelo filme Pasqualino Sete Belezas. Desde então, apenas três mulheres conquistaram o prêmio: Kathryn Bigelow, por Guerra ao Terror (2010); Chloé Zhao, por Nomadland (2021); e Jane Campion, por Ataque dos Cães (2022).
“Em qualquer cargo ou posição, é preciso se validar o tempo todo, demonstrar o quanto é capaz de fazer aquilo. Se não se provar, os tomadores de decisão escolhem outra pessoa para te substituir. Então, você fica vigilante o tempo todo”, esclarece Carine, diretora de duas produções na Globoplay.
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Para ela, a indicação de novas mulheres, como Fageat com A Substância, reflete a força de novas narrativas no cinema. “A importância está em como contamos novas histórias, isso gera uma nova audiência e aprimora o olhar do público acostumado aos meios tradicionais de se contar e refletir sobre corpo e sociedade”.
A Substância é um terror que aborda a pressão estética sobre Elisabeth Sparkle (Demi Moore). Para recuperar o sucesso, ela precisa de um novo corpo, só assim voltará aos holofotes e ao programa principal da emissora em que trabalha, administrada por homens.
O desafio de existir no cinema
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A diretora Asaph Luccas, 30 anos, premiada no Festival de Leeds, no Reino Unido, afirma não enfrentar problemas de hierarquia nas filmagens, pois trabalha com uma equipe diversa. No entanto, percebe o peso da estrutura masculina ao apresentar projetos a jurados ou participar de editais. “Não é só fazer um filme, é passar por toda uma cadeia alimentar da indústria que não privilegia mulheres”, comenta a fundadora do coletivo de jovens LGBTQIAP+ Gleba do Pêssego.
O longa de Coralie Fargeat, único dirigido por uma mulher entre os indicados a Melhor Filme deste ano, escancara um perfil na sociedade. “Homens, mas não só homens, brancos, de classe alta. Dentre as três mulheres premiadas em Melhor Direção, apenas Chloé Zhao é uma mulher racializada. É importante notar que essas oportunidades chegam muito pouco para mulheres, menos ainda para as racializadas, e sequer existe a possibilidade para mulheres trans, como eu”, afirma Asaph.
Neste ano, a Academia indicou pela primeira vez uma pessoa trans ao Oscar: Karla Sofía Gascón concorre a Melhor Atriz por Emília Perez. A artista se envolveu em diversas polêmicas durante a corrida de premiações, incluindo acusações contra a equipe de Fernanda Torres pelos ataques recebidos na internet.
Asaph questiona o porquê de todo o julgamento sobre Emília Perez recair na protagonista, e não sobre o diretor ou os produtores executivos. Para ela, ser trans faz com que todos os olhos estejam nela. “A primeira coisa a ser julgada antes dos meus filmes, antes dos meus roteiros e das minhas próprias falas, é a minha imagem. Ao mesmo tempo que isso me exclui, me coloca em uma vitrine. Muitas vezes, os eventos querem a minha presença para dizer que tem uma diretora trans ali, para ter uma pessoa nas fotos do evento, ou até na capa”.
O crescimento das mulheres na direção dos filmes
Com mais de 40 anos de carreira, a diretora Ariane Porto, 60 anos, vivenciou a indústria no início dos anos 2000. Além de ouvir frases como “Por que vocês não vão dar curso de corte e costura?” ou “Você está histérica, por que está gritando?”, ela enfrentou opressões das próprias mulheres.
“Acho que a coisa mais difícil é romper padrões de hábito. Você foi formada e educada por aquilo. Romper é um parto. Acho que os problemas vêm daí (…) Será que vale a pena tentar romper com tantos gargalos? A gente tenta gritar e, como num filme de terror, a voz não sai, está gritando e ninguém está te escutando”, explica a fundadora do Centro Cultural Teatro e Ofício, sobre mulheres repercutindo as opressões.
A presença feminina tem impactado o público, cansado das mesmas narrativas contadas por homens brancos. “A gente tem não só histórias que podem desagradar o senso comum, mas formas de narrativa que fogem do tradicional, que podem causar pruridos”, diz Ariane.
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Para Asaph, a maior visibilidade das mulheres na direção se deve principalmente à pressão contra a Academia. “Acredito que isso aconteça pela pressão externa de movimentos sociais do cinema ou não, o #MeToo é um exemplo disso, ou a Nicole Kidman, que prometeu trabalhar com diretoras mulheres e vem cumprindo com maestria”.
O movimento #MeToo explodiu em Hollywood em 2017, após as denúncias contra o produtor Harvey Weinstein — condenado por agressão sexual e estupro —, incentivando vítimas de assédio e agressão sexual a compartilhar suas histórias. A hashtag, criada em 2006 por Tarana Burke, viralizou, provocando um debate global sobre a cultura do assédio.
Carine, por sua vez, acredita que existe uma força geracional. “A nova audiência. A minha geração (Z) possui o consumo consciente. Queremos saber quem estamos consumindo. E a indústria precisa se adaptar, apostando em quem é mais capacitado para isso”.
Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.