O cinema do desejo: Por que Fernanda Torres pode estar prestes a se tornar ‘una chica Almodóvar’?
Diante do sucesso de ‘Ainda Estou Aqui’, a atriz brasileira pode estar na mira do diretor espanhol.
Por Jéssica Marcelino
Os últimos trabalhos do diretor espanhol Pedro Almodóvar apontam um caminho para os amantes do melodrama: a produção para além das fronteiras e para além de sua língua. Seus últimos trabalhos, ‘A voz humana’ (2020), ‘Estranha forma de vida’ (2023) e ‘O quarto ao lado’ (2024), atestam a tendência do diretor madrilenho. Inclusive, ‘O quarto ao lado’ é o seu primeiro filme em língua inglesa, brilhantemente interpretado por Tilda Swinton e Julianne Moore. E o longa já levou o Leão de Ouro, prêmio máximo do Festival de Veneza 2024. Uma abertura bastante ousada para suas películas, notáveis por se passarem na capital espanhola e povoados em seus arredores.
Façamos apenas uma rápida digressão. O cineasta espanhol dispensa maiores apresentações, porém, em tempo de premiações, é pertinente mencionar: Pedro Almodóvar já ganhou dois Oscars, dois Globos de Ouro, quatro Palmas de Ouro, quatro Baftas e seis prêmios Goya, o mais importante da Espanha.
Presente em suas obras o estilo irreverente e marcante, cores quentes e narrativas complexas, o cineasta, que experimenta o desejo como uma de suas principais matérias-primas, tem demonstrado sua vontade de trabalhar com atores de língua inglesa, como é o caso da atriz britânica Tilda Swinton que, pela segunda vez, dá vida a um de seus personagens. Em ‘The Human Voice’ (2020), curta baseado na peça de Jean Cocteau, Tilda foi magistral ao dar voz à personagem que enfrenta o abandono pelo marido: vemos ali o sofrimento de forma aguda até o desmoronamento pela artificialidade. Pedro é genial! E esse ano está em andamento seu próximo trabalho, a tragicomédia ‘Amarga Navidad’.
É, porém, diante desses fatos recentes do cinema produzido por ele que somos levados a pensar: estaria o diretor espanhol interessado em trabalhar com atores brasileiros? Ou até mesmo em solo brasileiro? Almodóvar, diante da repercussão do filme ‘Ainda estou aqui’ e do sucesso e destaque que tem merecido a atriz brasileira Fernanda Torres, no papel de Eunice Paiva, o cineasta já direcionou elogios: em entrevista, revelou que foi um dos melhores filmes que ele já assistiu nos últimos tempos. Ele acrescenta: ‘Fernanda Torres é maravilhosa!’ Concordamos! Mas a opinião de Pedro Almodóvar, ah essa vale hein! E como vale! O que poucos sabem é que Fernanda Torres também já revelou em entrevista que pagaria para estar em uma de suas películas! Está aí, talvez, a grande chance de Fernanda Torres se tornar ‘una chica Almodóvar’! E que chica!
‘The room next door’. ‘La habitación de al lado’. As referências a Edward Hopper
Em ‘O quarto ao lado’, apesar da existência de algumas críticas sobre Almodóvar haver perdido sua essência, seus fãs (os ‘Almodóvar lovers’) sabem: Pedro não deixa a desejar! Sua obra é densa, acurada em detalhes, do início ao fim. De James Joyce e neve cor de rosa a referências a Edward Hopper, a película é um rico afluente de sutilezas. Almodóvar confessa que quando o assunto se refere à morte, ele é uma criança e não dispõe de maturidade. É nesse atravessamento pela morte que temos Martha, interpretada por Tilda Swinton, em estado de câncer terminal, que tão logo se depara com os sofrimentos que a doença traz, deseja partir com dignidade, buscando meios de realizar eutanásia e contando com o apoio da amiga Ingrid para que esteja no quarto ao lado quando da sua partida. É uma história de amizade e de morte, de polêmicas sobre quem tem legitimidade para decidir acerca da própria finitude. É também a expressão máxima da sétima arte.
“His soul swooned slowly as he heard
the snow falling faintly through the
universe and faintly falling, like the
descent of their last end, upon all
the living and the dead.”
(Fragmento do conto Os mortos, do escritor irlandês James Joyce, recitado por Martha em cena no hospital)
A estética de Almodóvar é pitoresca, original. Dessa vez, mas sem perda de estilo, ele introduz tons pastéis mediante referências às obras realistas de Edward Hopper, artista norte-americano.
As obras de Edward Hopper costumam retratar a solidão na contemporaneidade. Ali, em contraste com as ‘cores de Almodóvar’, a partir do quadro ‘Pessoas no sol’, de 1960, somos introduzidos não apenas àquele cenário como no ambiente intrapsíquico dos personagens permeados pela morte, medos, incertezas e pela fragilidade da vida.
Estamos prontos!
O sucesso do personagem Eunice Paiva coloca Fernanda Torres em evidência no mundo do cinema internacional. Talvez, ela esteja na mira do cinema do desejo de Almodóvar! Afinal, ele já lançou: ‘adoraria filmar em português’. Pois bem, Señor Pedro! Estamos listos! E vocês? Já pensaram como seria a Fernanda Torres ‘almodovariana’?
Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.
