Por Daniele Agapito

BENJI
Você não se sente estranho

 num vagão de primeira classe?

DAVID
Não. Estamos pagando por isso.

Não estamos machucando ninguém.

BENJI
Cara. somos judeus num trem na Polônia. Pensa nisso.

Esse é mais um diálogo de filme indicado ao Oscar que gira em torno do holocausto. Um dos temas favoritos da academia. Todo ano tem. E tem que ter mesmo. Isso porque os EUA abrigam a maior comunidade judaica fora de Israel que não esquece a contagem de 6 milhões de judeus mortos em campos de concentração há 80 anos.

Mas diferente de “O Brutalista”, seu concorrente na categoria de melhor roteiro original, “A Verdadeira Dor” é uma comédia atual. Benji e David são millenials, primos judeus de primeiro grau que viajam rumo àqueles passeios guiados pela Polônia para recordar a história da avó. Ela, sim, sobrevivente do holocausto. Só que Benji – seu neto mais sensível – é portador de uma empatia patológica e rompe numa crise existencial na primeira classe de um trem rumo ao antigo campo de concentração Majdanek – que hoje abriga o museu memorial de mesmo nome.

O Oscar gosta de filmes que guardam memórias, normalmente, no tocante às lembranças dos norte-americanos. Mas neste ano, nossa dor também ganhou projeção internacional. A dor das famílias brasileiras, vítimas da violência do Estado, foram expostas. Ainda estamos aqui, não estamos? Torcendo pela validação dos nossos sentimentos no sul da américa enquanto eles estão lá em cima, tentando selecionar qual dor é verdadeiramente digna de uma estatueta.

Mas, falando da dor dos outros, da empatia, ou de nosso corpo como referência e caminho até a experiência do outro, falo de Benji, com seu poder de iluminar e apagar o ambiente com suas palavras como se tivesse um interruptor nas mãos. Da sua vida  improvisada, do auto punitivismo de quem parece romantizar a dor como parte irrevogável da própria identidade, e sua personalidade tão irritante quanto amável. Em uma outra crise existencial, desta vez no cemitério,  pede que não tratem com desdém o fato de que caminhamos sobre corpos humanos e suas memórias. Será que Benji possui uma condição psíquica diametralmente oposta à do presidente de sua república, que, antes de ontem, divulgou um vídeo feito com IA simulando a construção de um complexo de resorts luxuosos sobre os escombros da Faixa de Gaza?

O vídeo em questão é uma sátira-simulação debochada de um projeto visionário que inclui: uma estátua de ouro de Trump cravada num território palestino sem palestinos, dois barbudos aleatórios dançando de odalisca, Nhandetu de cueca samba-canção, Elon Musk jogando dinheiro para cima e, claro, uma morena misteriosa seminua se engraçando com Donald Trump – que rebola alegremente na ausência de Melania.

Mas a Verdadeira Dor não tem nada a ver com isso, pelo contrário, é uma comédia bem escrita, dirigida e protagonizada por Jesse Eisenberg, um ator de mão cheia. Aliás, puxando sardinha pro meu lado, filmes e séries escritas por atores têmtem aquele peso extra de quem está acostumadotá acostumado a levantar os diálogos do papel com a boca, do ofício de quem memoriza o texto e entrega como se não fosse algo ensaiado, mas obra do instante.

True Pain – Trecho do roteiro divulgado no Instagram do filme.

Os diálogos de Jesse são ventilados, um refresco com quê de cinema independente, com uma carinha mais de Sundance do que de Oscar até. E, antes que eu te confunda, o protagonista do filme não é o Benji. Quem interpreta o Benji é Kieran Culkin, que concorre ao prêmio de Melhor Ator Coadjuvante por este filme. Kieran é irmão de Macaulay Culkin, do inesquecível Esqueceram de Mim. Essa não é uma informação imprescindível, mas lembre-se de que Jesse interpreta David, que não é exatamente uma estrela.

David é do tipo que faz xixi nas calças quando precisa falar em público, do tipo prevenido, previsível, preocupado, estabilizado com remédios controlados para TOC, daqueles que compram almofada ergonômica high-tech milimetricamente pensada para apoiar seu pescoço no avião, ao contrário de Benji, que faz o moletom de travesseiro na classe econômica.

Mas, se alguém me perguntasse qual é “a verdadeira dor”, eu diria que está logo acima do pescoço. A pista está nas interrupções irritantes de Benji, nesse troca-troca de lugar, em que, ora sou oprimido, ora ocupo os assentos de primeira classe do opressor.

A ansiedade de quem sente tudo e pode fazer muito pouco.

E David?

David está medicado.

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.