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O silêncio que as mulheres carregam nos filmes indicados ao Oscar
Histórias com protagonismo feminino que revelam não apenas força, mas também solidão dentro da narrativa.
Por Safira Ferreira
O fato é que as personagens femininas têm lugar de destaque no Oscar deste ano, não apenas pela excelente performance das atrizes ou pelas histórias bem contadas, mas também por exporem os silêncios que as mulheres carregam.
A maioria dos filmes, desde os mais populares, como Ainda Estou Aqui, Wicked e A Substância, até os curtas, como Anuja e A Única Garota na Orquestra, tornam esse olhar vívido ao revelar esses silêncios ao público.
Em Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, um drama histórico sobre a ditadura militar no Brasil sob a perspectiva da família Paiva, Eunice (Fernanda Torres) expressa esses silêncios durante grande parte do longa. Sua dor é explícita nos momentos em que as palavras não estão presentes. Logo no início, a vemos nadando no mar, aproveitando aquele breve momento de liberdade, enquanto as vozes que antes a cercavam agora estão distantes. Também há a cena da prisão, em que os dias se perdem, assim como sua própria identidade; a do banho, que traça um paralelo com sua filha, Eliana (Luiza Kosovski), ambas sozinhas, dialogando por meio de suas dores na ausência de palavras. E, claro, a da sorveteria, que dispensa comentários e só demonstra o quão ambíguo é existir sem precisar dizer.
Fernanda Torres comenta em uma entrevista à Dicey Questions:
“Fizemos muito da cena do banheiro onde ela toma aquele banho, quero dizer, já tínhamos feito muita coisa, passamos por muitas coisas. Mas então tivemos o dia do sorvete e eu lembro que cheguei, coloquei minha roupa… era muito estranho, eu podia sentir que ela estava comigo. Eunice. Não como uma coisa espiritual, quero dizer, a personagem. Então eu cruzei a rua para a sorveteria e esse fardo pesado… algo realmente estranho. Quando passamos tanto tempo com um personagem, de repente você se torna ele. E foi aí que fiz a cena. Eu tive que me conter, conter, conter… porque era a Eunice. E no final, saí do set e chorei por, eu não sei, 10 minutos. Eu simplesmente não conseguia ir para casa.”
Até a parte final do longa, quando Fernanda Montenegro interpreta a versão mais velha de Eunice, sua atuação transmite um sentimento profundo de toda uma vida tentando não mais se calar — sem precisar dizer uma única palavra. O filme expõe o que muitas pessoas tiveram que viver em silêncio durante a ditadura, e como poucos puderam, de fato, sobreviver a ela.
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Esse tema transparece também em Wicked, dirigido por Jon M. Chu, uma adaptação cinematográfica do famoso musical da Broadway sobre a Bruxa Má do Oeste, do universo de O Mágico de Oz. Elphaba (Cynthia Erivo), rejeitada durante toda a vida por ter a pele verde, expressa sua força e conquista durante a icônica cena da dança. Com movimentos lentos e precisos, acompanhados por um olhar carregado de dor, ela traduz sua voz e se faz ouvir sem precisar pronunciar uma única palavra.
“Sempre rolavam algumas lágrimas. (…) Eu não precisava nem me esforçar, elas sempre caíam.”
Assim comentou Cynthia sobre a cena, em entrevista ao New York Times.
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Já nos curtas-metragens, Molly O’Brien, em seu documentário A Única Mulher na Orquestra, retrata a trajetória de sua avó, Orin O’Brien, a primeira mulher contrabaixista de uma orquestra — especificamente, a Filarmônica de Nova York, na década de 1960. E, nos poucos minutos do filme, fica evidente a importância do silêncio para ela. Como musicista, ele é essencial para sua concentração e foco, seja durante uma apresentação ou no preparo. E, como mulher — especialmente naquela época —, o silêncio revela os “nãos” e as palavras não ditas, por ter sido tantas vezes calada.
Tantas vozes sem som, tantos sentimentos não expressados, que agora finalmente são expostos. A solidão vívida nos emociona e nos faz questionar cada vez mais. As atrizes brilharam este ano, pois o silêncio exige presença — e isso foi entregue com maestria.
Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.