Semana passada, na esteira de um atentado desastrado contra o Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Federal concluiu as investigações sobre a tentativa de golpe de Estado contra a eleição do presidente Lula, no final de 2022. O relatório final, com 880 páginas, foi encaminhado ao STF e ao procurador-Geral da República, Paulo Gonet, a quem caberá denunciar, ou não, Jair Bolsonaro e outras 36 pessoas, indiciados pela PF, sob a acusação de organização criminosa, tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado de Direito.

O procurador-geral da República, Paulo Gonet | Antônio Augusto / MPF

Bolsonaro já foi indiciado e condenado outras vezes, mas, agora, a gravidade das acusações chegou ao patamar máximo: atentado contra a vontade popular manifesta nas urnas e manipulação criminosa das Forças Armadas. O relatório reúne evidências, documentos e depoimentos que sustentam as acusações, inéditas ao envolverem um ex-presidente da República.

A conclusão do inquérito e o pedido de indiciamento eram esperados, mas vieram num momento ruim para Bolsonaro, que esperava o benefício de uma anistia, via Congresso, para se livrar de condenações que o tornaram inelegível e viabilizar a sua candidatura presidencial em 2026. O projeto de anistia, que nunca fez sentido, virou, agora, uma tremenda aberração.

Bolsonaro reagiu, irritado, acusando o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito no STF, de manipular a PF para inventar uma “historinha”, colocando “chifre em cabeça de cavalo”. O alvo primordial da sua estratégia de atropelar as instituições para voltar ao poder, que era o Congresso, mudou de endereço: “É na PGR que a minha luta começa”.

Assédio

Gonet e seus assessores terão bastante trabalho nessa virada de ano. Só o celular do coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do Bolsonaro, já é um abundante armazém de crimes presidenciais. Mas há muito mais, até uma minuta para formalizar a ruptura do Estado de Direito, apreendida na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que também deve ser indiciado. O procurador-geral terá que apontar a responsabilidade de cada um dos acusados nessa alongada “historinha”. Espera-se a conclusão da análise do relatório da PF até o final de fevereiro.

Polícia retira da Praça dos Três Poderes o corpo do responsável por atentado ao STF | Fábio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil

O pior, para Bolsonaro, é que não foi a PF, nem Alexandre de Moraes, quem pôs a galhada no cavalo, mas o general Freire Gomes e o brigadeiro Baptista Júnior, ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica, que confirmaram terem sido consultados diretamente por Bolsonaro sobre opções de instrumentos jurídicos a ser usados para impedir a posse do presidente Lula. Ambos se recusaram. Talvez por isso que o general Braga Neto, ex- ministro da Defesa e ex-candidato a vice, reagiu ao indiciamento se dizendo “o único fiel” a Bolsonaro.

A luta do Bolsonaro não “começa na PGR”; ela recomeça, contra a PGR. Outros acusados, com participação pontual ou periférica na conspiração, até poderão se safar de uma denúncia, mas Bolsonaro é o chefe da quadrilha e terá que se virar. Via de regra, a defesa dos acusados tentará desvincular os seus clientes dos fatos, ou minimizar o envolvimento deles. Não há como Bolsonaro escapar das acusações de formação de quadrilha e de golpe de Estado, mas, se largasse mão dessa história de “historinha” e encarasse os fatos, talvez pudesse debitar exclusivamente aos “kids pretos” a elaboração do plano para assassinar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes.

Mas Gonet deve esperar pelo pior. Quando Bolsonaro se certificar de que os seus advogados não evitarão a sua denúncia, vai investir contra o procurador e contra a Procuradoria, tentando fazer crer que não são mais do que “puxadinhos” de Moraes e do STF. Pode chegar a constrangê-los fisicamente, como já fez com outras pessoas e instituições. Gonet deve reforçar a segurança pessoal, da família e assessores.

Pentelho da direita

Bolsonaro também está irritado com o silêncio ensurdecedor da maioria dos seus supostos aliados, que exitam em manifestar publicamente solidariedade a ele diante dos reveses recentes. No privado, avisa que quem não der a cara para bater, não terá o seu apoio em 2026. Cobrado pela imprensa, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, pré-candidato à presidência pelo União Brasil, disse que sempre apoiou Bolsonaro e que foi Bolsonaro quem inventou um candidato de oposição a ele em Goiânia. Já o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), disse não ter visto as provas das acusações feitas pela PF, e  que Bolsonaro respeitou o resultado das eleições, quando todos sabem que ele questionou o voto eletrônico, nunca reconheceu a vitória do Lula e se recusou a transferir-lhe a faixa presidencial.

O ex-presidente Jair Bolsonaro | Marcello Casal Jr. / Agência Brasil

Além do assédio bolsonarista e do salve-se quem puder, Gonet também deve esperar pressões da opinião pública e das instituições para apresentar logo a denúncia contra os golpistas. Elas virão, sobretudo, da própria direita, que está sendo prejudicada pela tática extremista do Bolsonaro, de querer impor a sua candidatura, atropelando as instituições e se colocando acima das leis. A direita percebe o acolhimento das suas posições por parte importante da sociedade, mas precisa de tempo e de espaço para construir uma candidatura que possa disputar com Lula. Ao insistir em levar a sua própria até depois do último minuto e em radicalizar contra as leis, Bolsonaro rouba este tempo e limita a construção de alianças.

Bolsonaro disse, várias vezes, que só desistirá da sua candidatura para apoiar outro nome quando estiver “enterrado”. Entendam essa palavra como quiserem… Mas, não duvidem: ele não terá pruridos em arrastar para o fundo do abismo quem quer que esteja ao seu alcance. Cuidado!