Por Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Brasileira pelo Direito à Educação, e Tel Amiel, professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), coordenador de Cátedra Unesco na UnB

À medida que a tecnologia digital continua a impulsionar mudanças na educação, é essencial perguntar se seu impacto é realmente benéfico para todos os estudantes. Este foi o tema discutido no painel “Acessibilidade e Uso Eficaz da Tecnologia Digital na Educação (ODS 4.4., 4.a.)” do Encontro Global da Educação (GEM, na sigla em inglês) 2024. Apesar de seu potencial transformador, a tecnologia muitas vezes exacerba desigualdades existentes, especialmente se implementada sem considerar as necessidades das comunidades marginalizadas.

Enfrentar esse padrão preocupante requer uma mudança de políticas voltada para a superação das divisões digitais, começando com infraestrutura robusta, práticas inclusivas e um compromisso com a “conectividade significativa”, que enfatiza o acesso público, gratuito, aberto, de qualidade, equitativo e com autonomia na integração tecnológica. O conceito de “conectividade significativa” é central para a criação de uma abordagem inclusiva e baseada em direitos para a tecnologia educacional, considerando não apenas o acesso aos recursos digitais, mas também se esses recursos apoiam o desenvolvimento holístico de estudantes e professores.

Para que a tecnologia promova experiências educacionais equitativas, as políticas devem atacar as causas profundas das desigualdades digitais. Muitas comunidades marginalizadas enfrentam conectividade limitada, infraestrutura defasada e/ou insuficiente e acesso inadequado a dispositivos digitais. A sociedade civil há tempos defende uma abordagem que aborde essas desigualdades estruturais. No Brasil, por exemplo, a Campanha Brasileira pelo Direito à Educação promove o mecanismo do Custo Aluno-Qualidade (CAQ), que busca garantir acesso equitativo aos recursos educacionais essenciais, incluindo ferramentas digitais e conectividade, por meio de investimentos públicos adequados. Essa iniciativa reforça a importância de apoiar as escolas não apenas com conectividade básica, mas também com recursos digitais de alta qualidade, confiáveis e adaptáveis.

Somente o acesso não é suficiente; a conectividade precisa ser de alta qualidade, acessível, segura e adequada aos contextos educacionais específicos. É crucial que os países priorizem a privacidade de dados e os direitos digitais para estudantes e professores. Dessa forma, “conectividade significativa” vai além de uma conexão com a internet. Ao adotar esses princípios, os países podem apoiar um ambiente em que o aprendizado digital não apenas alcance todos os estudantes, mas também respeite sua dignidade e direitos.

Um elemento-chave na promoção da equidade em tecnologia educacional é o incentivo ao uso, produção e compartilhamento de Recursos Educacionais Abertos (REA). O conteúdo em plataformas comerciais geralmente exige assinaturas ou licenças custosas. Em contrapartida, os REA oferecem conteúdo educacional flexível, adaptável, reutilizável e gratuito, que pode ser ajustado para atender a diversas necessidades, evitando a dependência de soluções com fins lucrativos que podem gerar ônus financeiros e violar direitos digitais. Essa abordagem garante que estudantes e professores tenham acesso a recursos de alta qualidade, livres das restrições de interesses comerciais, e promove práticas abertas, colaborativas e inclusivas, apoiando o desenvolvimento de um sistema educacional mais equitativo e autônomo.

O Pacto Digital Global das Nações Unidas pede investimento em bens digitais públicos e infraestrutura digital pública baseada em princípios “abertos”. Outro elemento fundamental é o desenvolvimento de infraestruturas técnicas alternativas para a educação, que promovam a abertura, protejam os direitos digitais e respeitem a ética das práticas educacionais de estudantes e professores. Portanto, é necessário focar no investimento em infraestruturas públicas digitais para a educação, que não sigam as lógicas econômicas das grandes corporações de tecnologia, baseadas na extração de dados, que têm dominado o cenário educacional. As infraestruturas técnicas devem alinhar-se – e não ser antagônicas – às práticas e ética que devem apoiar.

Alcançar a verdadeira equidade na educação digital exigirá investimentos públicos contínuos, políticas de apoio e engajamento comunitário. Os benefícios de tal abordagem vão além dos resultados educacionais imediatos: contribuem para uma sociedade onde cada indivíduo pode participar plenamente e de forma crítica em um mundo cada vez mais digitalizado. O desafio adiante será equilibrar a inovação com práticas éticas, seguras, responsáveis, regulamentadas e equitativas, junto com a ação estratégica do Estado.

Ao investir em conectividade significativa, infraestruturas públicas digitais para a educação e REA, as nações podem garantir que a tecnologia digital sirva como uma ferramenta de inclusão, e não de exclusão. À medida que o Encontro Global da Educação 2024 avança, fica claro que a busca por um ambiente de aprendizado digital mais equitativo deve ir além da conectividade em si – deve considerar a qualidade, acessibilidade e implicações éticas de cada avanço tecnológico. Com esses passos, podemos trabalhar para construir um sistema educacional que empodere todos os alunos e defenda a educação como um direito humano fundamental e como um pilar de democracias sólidas.