Por que o Brasil não tem Soberania Alimentar?
A agricultura camponesa familiar é o caminho para um Brasil com soberania alimentar
- Concentração de terras e monocultura
O Brasil sofre com uma enorme concentração fundiária, onde a maior parte das terras está nas mãos de grandes proprietários e corporações do agronegócio. Esse modelo favorece a monocultura de commodities para exportação, como soja, milho e carne, em vez da produção diversificada de alimentos para o consumo interno. Essa concentração afeta o acesso dos pequenos agricultores à terra e prejudica a produção de alimentos básicos para a população brasileira. Nos últimos dez anos, a área cultivada com soja no Brasil aumentou significativamente. Na safra 2013/2014, a soja ocupou 30,1 milhões de hectares. Desde então, essa área se expandiu para 43,8 milhões de hectares. Projeções da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indicam que, na próxima década, essa área poderá alcançar 55,8 milhões de hectares. Isso representa um aumento de 85% em 20 anos.
- Prioridade e expansão do Agronegócio
O governo através das políticas agrícolas brasileiras, historicamente, favorecem o agronegócio voltado para exportação, deixando de lado a agricultura camponesa familiar e a agroecologia, que são responsáveis pela produção da maior parte dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros. Segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária, no último ano, o Brasil exportou 165,76 bilhões de dólares em produtos do agronegócio, como soja, carnes, açúcar e cereais. O foco nas exportações de commodities desvia os recursos e incentivos que poderiam ser investidos em uma produção de alimentos voltada para a segurança e soberania alimentar da população, isso sem considerar as contradições da natureza desse modelo de desenvolvimento para o campo brasileiro, onde o PRONAF foi capturado para a produção de 4 produtos (soja, milho, trigo e pecuária), respondendo por quase 90% do número dos recursos contratos. O agronegócio é responsável por um processo de destruição ambiental, nunca vista na história, deixando de lado a agricultura camponesa familiar e a agroecologia, que são responsáveis por produzir a maior parte dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros.
- Aumento no uso de Agrotóxicos (veneno)
O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo, tendo aplicado mais de 720 mil toneladas de veneno em lavouras em 2021, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), e o seu uso intensivo prejudica a qualidade dos alimentos, a saúde dos trabalhadores rurais e contamina os solos e os cursos d’água. Essa dependência de um modelo de produção baseado no uso de venenos limita o desenvolvimento de uma agricultura saudável, que respeite o meio ambiente e os consumidores. É cada vez mais alarmante os dados relacionados ao uso de venenos no Brasil e a incapacidade do governo brasileiro de enfrentar essa arma de guerra fica cada vez mais evidente. A prova disso é o adiamento por 4 vezes do lançamento do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PLANAPO diante da exigência do Agronegócio, através do Ministério da Agricultura que se retirasse o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos – PRONARA do PLANAPO, mesmo diante de números vergonhosos e alarmantes que apontam que:
- 800 mil toneladas de ingredientes ativos de venenos foram comercializados em 2022;
- Quase 117 bilhões de Reais foram faturados pelas empresas de agrotóxicos em 2022;
- 1.816.144 Estabelecimentos agrícolas utilizaram agrotóxicos em 2017
- 2.007 Novos agrotóxicos registrados no governo Bolsonaro até 20/11/2022, e quase 1.000 novos no governo Lula;
- 30% destes agrotóxicos são proibidos na União Europeia
- 20% destes agrotóxicos são considerados extremamente tóxicos, altamente tóxicos ou medianamente tóxicos para a saúde humana.
- 9.806 Registros de intoxicação de crianças de 0 a 14 anos entre 2010 e 2021. Destas, 91 morreram intoxicadas.
- 45 milhões gastos pelo SUS anualmente para tratar as intoxicações causadas pelos venenos do agronegócio para tratar: envenenamento, câncer,neurotoxicidade, desregulação endócrina, distúrbios reprodutivos, doenças cardiovasculares, doenças pulmonares e imunossupressão.
- Queda na produção de alimentos
A queda na área plantada e na produção de alimentos básicos como feijão, arroz e mandioca no Brasil nos últimos anos é preocupante. Esses alimentos, fundamentais para a dieta da população, têm tido suas áreas plantadas e volume de produção reduzidos.
Menos Feijão: há dez anos, a área cultivada com feijão colorido e preto no Brasil era de 3,3 milhões de hectares. No entanto, ao invés de aumentar, essa área diminuiu, mesmo com um crescimento de 6,5% na população brasileira entre os últimos dois censos demográficos. Atualmente, a área destinada ao cultivo de feijão caiu para 2,7 milhões de hectares, representando uma queda de 18%.
Menos Arroz: o Brasil foi o primeiro país das Américas a produzir arroz, esse alimento já era produzido pelo Tupis, antes dos colonizadores chegarem, estando presente em todos os Estados, porém a produção do campesinato é invisível e sem investimentos do Estado. Por isso, vem perdendo ano a ano milhões de hectares de arroz, principalmente para a soja, que somente no Rio Grande do Sul entre 2011 e 2021 perdeu 205% de área para a soja. Em 2000, o Brasil plantava aproximadamente 4,4 milhões de hectares de arroz. Contudo, em 2020, essa área foi reduzida para 1,6 milhão de hectares, representando uma queda de mais de 60%. A produção de arroz caiu cerca de 25% no mesmo período. De mais de 12 milhões de toneladas produzidas no início dos anos 2000, o país produziu apenas 7,6 milhões de toneladas em 2021. A projeção é que na próxima década o Brasil perca mais de 1 milhão de hectares de arroz. Os estoques brasileiros de arroz alimentam o povo brasileiro apenas 13 dias, o que coloca a soberania e a segurança alimentar em alto risco e condena o povo mais empobrecido a ficarem sujeitos às especulações gananciosas dos mercadores da fome ligados ao agronegócio e ao mercado.
Menos Mandioca: um dos alimentos mais tradicionais e culturalmente significativos no Brasil, tem enfrentado uma redução drástica tanto em área cultivada quanto em
produção. A área destinada ao cultivo de mandioca sofreu uma queda de 40% entre 2000 e 2020. A redução é expressiva, saindo de 1,8 milhão de hectares plantados no início dos anos 2000 para menos de 1 milhão de hectares em 2020, segundo o IBGE. Em termos de produção, a mandioca também vem perdendo importância, com uma queda de 30% nas últimas duas décadas. Em 2020, o Brasil produziu cerca de 18,4 milhões de toneladas, o menor volume desde o início do século. A mandioca, que é uma cultura de base familiar e agroecológica, tem sido pressionada pela substituição por monoculturas e pelo enfraquecimento do apoio governamental à agricultura familiar.
- Aumento no consumo de ultraprocessados –
O aumento da oferta e consumo de alimentos ultraprocessados – “baratos” e amplamente disponíveis – é outra ameaça à soberania alimentar no Brasil. Esses produtos são produzidos em grande escala, com pouca diversidade e qualidade nutricional, o que leva à perda de hábitos alimentares tradicionais e saudáveis, além de aumentar os índices de doenças como obesidade e diabetes. Cerca de 98% dos alimentos ultraprocessados no Brasil contêm ingredientes prejudiciais, como excesso de sódio, gordura e açúcar. A cada ano, 57 mil pessoas morrem prematuramente no Brasil devido ao consumo de alimentos ultraprocessados, representando 10,5% de todas as mortes precoces de adultos com idades entre 30 e 69 anos. Segundo estudo da USP de 2022, houve aumento médio de 5,5% no consumo desses “alimentos” nos últimos dez anos no país, sendo responsável por aproximadamente 57 mil mortes por ano no Brasil.
Brasil precisa de Soberania Alimentar
A soberania alimentar é o direito fundamental dos povos de decidir sobre a produção e o consumo de seus alimentos, priorizando a agricultura camponesa familiar e agroecológica. No Brasil, esse tema é crucial diante dos desafios que enfrentamos, como a fome, a concentração de terras e o avanço dos alimentos ultraprocessados e a concentração de terras.
Nossa luta é por:
Alimentos saudáveis para todos: precisamos garantir que o acesso a alimentos frescos e nutritivos seja um direito de todos, não um privilégio de poucos. A soberania alimentar fortalece sistemas alimentares locais e regionais, promovendo a saúde e o bem-estar da população.
Fortalecimento da agricultura camponesa familiar: a agricultura camponesa familiar produz mais de 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros. Apoiar a agricultura camponesa familiar é resistir ao modelo de agronegócio destrutivo, que explora a terra e os trabalhadores e comunidades rurais e que não se importa com a alimentação dos brasileiros.
O que é preciso para construir soberania alimentar no Brasil?
- Reforma agrária popular:
- Democratizar o acesso à terra, combatendo a concentração fundiária.
- Garantir que as terras sejam utilizadas de forma produtiva e sustentável, promovendo a agricultura camponesa familiar;
- Políticas públicas de apoio à transição agroecológica e abastecimento popular:
- Fortalecer programas que incentivem a produção agroecológica.
- Promover a comercialização direta nos territórios, apoiando a saúde e a economia local.
- Criar incentivos financeiros e técnicos para a transição de práticas convencionais para agroecológicas.
- Acesso a recursos naturais:
- Assegurar que os recursos naturais, como água e solo, fiquem nas mãos das comunidades que cuidam da terra.
- Proteger e restaurar ecossistemas para garantir a resiliência das comunidades rurais contra as mudanças climáticas.
- Estoques reguladores:
- Implementar e manter estoques reguladores para controlar a oferta e a demanda de alimentos, evitando a volatilidade dos preços.
- Criar mecanismos de apoio para pequenos agricultores em situações de crise, garantindo a estabilidade de preços e oferta.
- Só a Agricultura Camponesa pode salvar o planeta: a agricultura camponesa familiar é crucial no enfrentamento das mudanças climáticas, pois utiliza práticas sustentáveis e diversificadas que aumentam a resiliência dos sistemas agrícolas. Ao priorizar a biodiversidade e o manejo agroecológico, essa agricultura camponesa familiar ajuda a mitigar os impactos climáticos e a fortalecer a segurança alimentar local. Com um conhecimento profundo de suas terras. A agricultura camponesa familiar se torna uma necessidade urgente para um sistema alimentar resiliente e sustentável. Desenvolver políticas de adaptação e mitigação das mudanças climáticas que afetam a agricultura.
A Missão Josué de Castro, proposta pelos movimentos populares e lançada em março de 2024 no Senado, representa uma resposta à histórica contradição sistema alimentar hegemônico que gera a fome em meio à abundância. Fundamentada nos princípios da agroecologia e da soberania alimentar, a missão tem como objetivo alimentar 5 milhões de brasileiros e brasileiras, desafiando o modelo de produção baseado na lógica do agronegócio, que prioriza o lucro de poucos em detrimento das necessidades da maioria.
Ao promover o desenvolvimento de infraestrutura produtiva, capacitação técnica e inovação tecnológica, a missão defende a centralidade da agricultura camponesa e familiar, rompendo com a hegemonia das grandes corporações no campo. Essa iniciativa não visa apenas mitigar a fome, mas também subverter a estrutura de exploração e opressão que perpetua a desigualdade no acesso aos alimentos. Inspirada no legado de Josué de Castro, a missão propõe um novo projeto que pode inspirar a construção de políticas públicas, baseado na justiça social, na solidariedade de classe e na luta para construção de sistemas alimentares que afirmem o cuidado com a natureza como resposta ao avanço das mudanças climáticas.
No Dia Internacional de Luta por Soberania Alimentar, unimos forças para exigir um Brasil onde ninguém passe fome e todos tenham direito a uma alimentação saudável. Junte-se a nós nessa luta por um Brasil onde o alimento seja símbolo de soberania alimentar e abastecimento popular.
Junte-se a nós nessa luta por um Brasil onde o alimento saudável seja símbolo de soberania alimentar e popular e a agricultura camponesa familiar seja o caminho para conquistá-la!