Por Isabella Vilela

Com dezenas de títulos ficcionais sobre investigações criminais disponíveis, o público feminino tem demonstrado uma clara preferência por histórias baseadas em fatos reais. Mas o que explica esse fascínio por podcasts, documentários e séries de crimes reais? 

Um estudo da Universidade de Illinois (EUA) aponta que um dos principais motivos é a identificação com as vítimas. Isso gera uma sensação de alerta, uma vez que muitos dos serial killers mais conhecidos fizeram de mulheres suas principais vítimas. Em um artigo publicado na revista Social Psychological and Personality Science, a pesquisa reforça que, embora se presuma que homens tenham maior interesse por histórias de crimes violentos, é o medo de se tornarem vítimas que faz com que mulheres sejam as maiores consumidoras desse gênero.

Uma pesquisa de 2024 da Podchaser, plataforma especializada em podcasts, revelou que 61% dos ouvintes dos 25 maiores podcasts de true crime nos Estados Unidos são mulheres, dado que mostra a força desse nicho e a crescente demanda por histórias reais.

Acontece que casos de assassinos em série fazem parte do dia a dia norte-americano há décadas. Para se ter uma ideia, um levantamento da Universidade de Michigan, em 2020, documentou mais de 3.600 serial killers no país. 

Aqui no Brasil, o fascínio pelo gênero se estende às obras audiovisuais: segundo um infográfico divulgado pela Globo Gente no ano passado, as séries documentais sobre crimes reais cresceram 63% entre 2018 e 2021 e o sucesso de podcasts que abordam esses assuntos só reforça essa tendência.

Seguindo essa linha, a Prime Video lança nesta sexta-feira (18), o longa-metragem “Maníaco do Parque”, dirigido por Maurício Eça, já conhecido por seu trabalho na trilogia “A Menina que Matou os Pais”. Com roteiro de L.G. Bayão e pesquisa da jornalista investigativa Thaís Nunes, o filme traz uma nova abordagem ao caso de Francisco de Assis Pereira.

Em entrevista ao Cine Ninja, além dos bastidores das filmagens, o diretor explica que em vez de focar exclusivamente no criminoso, o longa dá destaque às mulheres que foram suas vítimas, oferecendo uma perspectiva mais realista da história. Confira!

Cine Ninja: Como surgiu a ideia de contar essa história?

Maurício Eça: Os dois filmes do caso Richthofen e o terceiro, o “Confissão”, abriram um diálogo entre eu e o Marcelo Braga, nosso produtor da Santa Rita Filmes. Tivemos essa trilogia e em conjunto com a Amazon Studios, desenvolvemos a ideia do “Maníaco do Parque”. Foi algo muito intenso. Nunca tive um processo de desenvolvimento tão longo e incrível como esse. Ficamos mais de um ano entre pesquisa e desenvolvimento de roteiro. A pesquisa foi muito extensa, com uma equipe só de mulheres. Tivemos uma pré-produção muito cuidadosa, porque o filme se passa em 1998, ou seja, mais de 25 anos depois. Foram muitos detalhes de caracterização dos atores e de direção de arte para tornar São Paulo o mais fiel possível à época.

Isso porque, como você pôde ver, a cidade de São Paulo é um personagem do filme. Tivemos uma preocupação imensa em retratar a cidade daquele período. O Francisco andava muito por São Paulo com seu trabalho de motoboy. Ele também era patinador, frequentava o Ibirapuera e atacava mulheres no Parque do Estado e outros locais. Houve um grande trabalho de direção de arte e caracterização dos atores para retratar essa dinâmica, afinal é um true crime. Por mais que esse filme tenha um lado ficcional muito forte, o true crime possui características que devem ser respeitadas.

Durante o desenvolvimento, quando nos aprofundamos na pesquisa, soubemos que filme queríamos contar e de que forma, então eu acredito que este filme traz uma reparação histórica muito forte e importante para as mulheres que sofreram abusos, morreram ou foram atacadas por Francisco. Além disso, elas enfrentaram o descaso da imprensa sensacionalista e da polícia na época, então para contar essa história, escolhemos uma protagonista feminina, a Elena, uma jornalista que investiga o caso enquanto lida com questões pessoais e profissionais.

Na vida real, certamente houve várias “Elenas” investigando Francisco. Trouxemos essa personagem como o catalisador da investigação, reforçando o papel feminino forte nessa história. As sobreviventes ajudaram a reconhecer Francisco e garantir que ele fosse preso e punido. A Elena compreende a importância de dar voz a essas mulheres e o filme busca trazer essa realidade, longe dos preconceitos que elas enfrentaram.

Se imaginarmos como seria esse filme feito na época, a perspectiva seria diferente. Hoje, temos a oportunidade de olhar para essa história de uma nova forma, e isso é uma mudança importante. Talvez esse seja um dos pontos fundamentais que nos motivou a fazer esse filme. A principal lição é que crimes como esses não devem se repetir, mas também há uma necessidade maior de dar voz às mulheres que foram vítimas e àquelas que perderam a vida, transformadas em meras estatísticas.

Cine Ninja: Em muitos filmes baseados em crimes reais, a escolha dos momentos silenciosos ou da trilha sonora é bastante importante para as cenas de tensão. No caso do “Maníaco do Parque”, você utilizou músicas mais agitadas nas cenas em que Francisco está agindo. Foi intencional?

Maurício: Tentamos fugir de escolhas óbvias e focamos na importância dramática de cada cena. As músicas que usamos são, em sua maioria, da época, e têm uma conexão com o período retratado. A trilha sonora, composta pelo Ed Côrtes, tem uma construção contínua, sempre criando uma sensação de que algo vai dar errado.

A trilha mantém uma tensão constante, mesmo quando a situação parece calma. Ela é vital para a história. Além disso, houve um grande cuidado na edição, com meses de trabalho cuidadoso.

Cine Ninja: O filme traz a perspectiva de uma repórter iniciante, interpretada por Giovanna Grigio. O que o processo de construção dessa personagem te ensinou sobre a relação entre jornalistas e investigações criminais reais? Como foi criar esse dilema ético da busca pela verdade versus ambição profissional?

Maurício: A Giovanna e eu já tínhamos trabalhado uma vez, em uma comédia, acho que em 2018, que tinha algo mais leve. Ela é jovem, mas muito experiente. 

Quando foi convidada, ela adorou o personagem, porque foi um desafio para ela, não só por viver uma protagonista, mas por fazer algo que talvez ainda não tivesse feito em sua carreira, como a seriedade de uma personagem tão densa. Foi muito legal, e ela é uma atriz que se entrega demais. Ela também se mudou para São Paulo, então estava totalmente imersa no projeto. Ela chegava no set de manhã e já estava pilhada, sempre brincando, muito energética. No fim do dia, você pensava: “Nossa, ela deve estar exausta”, porque se entrega muito.

Ela está sempre ouvindo, agindo, reagindo, o tempo todo. Ela construiu uma relação muito forte com a Mel Lisboa, como se fossem irmãs mesmo. Também teve uma conexão com o Christian Malheiros, como se fossem dois jovens parceiros que estão buscando seu lugar ao sol em uma redação. Foi muito interessante. 

E é interessante notar que a Elena tem uma curva no filme: ela começa quase querendo jogar com as mesmas regras daqueles homens machistas, se colocando do lado deles, buscando a matéria a qualquer custo. Mas, aos poucos, ela começa a se sensibilizar com a história e percebe que precisa dar voz àquelas mulheres.

Foto: Divulgação/Prime Video

Cine Ninja: Sabemos que os filmes que lidam com crimes reais podem gerar reações intensas no público. Houve alguma preocupação específica em como o público mais sensível poderia reagir a certas cenas? Como você lidou com isso durante a montagem do filme?

Maurício: Sabíamos que não era necessário mostrar violência de forma gráfica. O filme trata de uma história violenta, mas evitamos qualquer coisa gratuita. A cena do ataque à Cristina, por exemplo, foi coreografada com muito cuidado. Tivemos preparadores de intimidade e ensaios com dublês para garantir segurança e respeito aos atores e atrizes.

Houve um cuidado extremo para que nada parecesse gratuito ou chocante de forma desnecessária. Diferente de filmes como “Irreversível”, por exemplo, que usa a violência explícita para gerar desconforto, nossa ideia era mostrar que Francisco era uma figura invisível, alguém que estava entre nós sem que soubéssemos quem era.

E assim, a gente não queria focar tanto no ato de violência explícita, né? A gente queria mais sugerir. Porque isso também gera tensão e medo no público. Então, muitos momentos do filme são focados no que não está sendo mostrado e isso gera muito impacto.

Cine Ninja: A entrega dos atores foi fundamental para transmitir a tensão e o peso do enredo. Como você orientou o elenco a explorar as camadas psicológicas de seus personagens, especialmente as atrizes que fizeram as vítimas e o próprio Silvero Pereira? 

Maurício: Para um ator fazer um filme de true crime, ele precisa estar afim, porque é uma entrega e muitas vezes você se pega incomodado ou mexido com o que você está retratando. Então quem se propõe a fazer isso tem que estar bem desafiado e pronto para se entregar. Vivemos isso com a Carla Diaz, com o Leo Bittencourt e vivemos agora com esse elenco.

Com o Silvero, quando foi convidado, foi muito legal porque ele não imaginava que seria chamado para esse personagem. Ele ficou super surpreso, porque é um papel que ele nunca viveu. Como ator, foi um desafio interpretar algo que não tem absolutamente nada a ver com ele. 

Ele veio para São Paulo, ficou uns dois ou três meses aqui. Primeiro, teve uma caracterização física. Depois, passou por uma preparação com os outros atores, com a Larissa Bracher, nossa preparadora. Essa preparação foi focada em criar várias camadas, porque primeiro você precisa entender essas nuances para depois começar a se relacionar com seus demônios e com os outros personagens. Foi uma preparação cuidadosa, individual, em grupo, em dupla, enfim, tivemos todo esse cuidado. Depois de toda essa preparação, tivemos ainda aquele cuidado com as cenas mais fortes, mais difíceis. Foi um filme de muitos detalhes. Eu diria para você que foi o filme mais desafiador e mais difícil que já fiz.

Cine Ninja: O processo de dirigir um filme que também tem um documentário paralelo oferece uma dupla narrativa. Como isso influenciou suas escolhas como diretor, sabendo que o documentário traria uma visão mais factual do caso? Você optou por explorar mais a ficção, o drama, ou buscou um equilíbrio entre ambos?

Maurício: São produtos diferentes, mas complementares. O documentário, que a Thaís pode falar com mais propriedade, realmente dá voz às mulheres. Entrevistamos sobreviventes e familiares das vítimas. O filme, por outro lado, é um recorte narrativo, focado na captura de Francisco e no papel da imprensa.

O filme tem uma escolha narrativa específica, centrada na perspectiva da jornalista, enquanto o documentário oferece uma visão mais abrangente das histórias dessas mulheres. Eles se complementam.

Cine Ninja: Na sua opinião, o que torna o true crime um gênero tão procurado e tão adorado pelas pessoas?

Maurício: Eu acho que o fascínio vem muito da vontade de entender a mente humana, o extremo, algo que a gente não consegue entender de onde vem. O ser humano tem essa fixação pelo extremo. O maior público que consome true crime são as mulheres. E aí, a pergunta é: por que tantas mulheres consomem esse conteúdo? Talvez seja para se preparar para não viver situações como essas. É curioso como o público feminino consome tanto esse gênero.

No Brasil, por exemplo, temos um público que consome bastante. Quando lançamos um produto como esse, você vai nas redes sociais e vê gente falando um monte de bobagem, dizendo que estamos dando voz a esses caras, como aconteceu com o caso da Suzane, por exemplo. Mas sabemos o quanto o público brasileiro vai assistir a um produto internacional desse gênero. Então, por que não podemos fazer sobre casos brasileiros?

Obviamente, é um bando de gente que não tem informação. Porque, ao mesmo tempo que Suzane e Cravinhos participaram daqueles três filmes, o Francisco não participou deste. Ele não foi ouvido, Silvero nunca esteve com ele. Eles não ganharam um centavo com esse projeto. Fazer true crime é uma responsabilidade, pois há uma série de limitações e implicações. Você não pode fazer algo que não seja a verdade, o que realmente aconteceu. Temos pessoas que ainda estão aqui, outras vítimas já se foram, então precisamos respeitar essas histórias.

Já me perguntaram como lidar com isso, apesar de ser pesado. A gente se prepara da melhor maneira possível. Cada um tem sua crença e forma de se preparar, mas o principal é entender a importância de contar essas histórias, para que elas não se repitam.