Por Janine Salles de Carvalho

As eleições municipais vêm aí. E com elas, é comum o ressurgimento de diversas propostas sensacionalistas em segurança pública e política penal.

Todas as eleições têm por efeito colateral candidaturas que se valem de discursos incapazes de trazer respostas efetivas para desafios históricos. Quando se trata de temas diretamente vinculados à falta de segurança em nossas cidades e o anseio legítimo da população em se sentir protegida, a questão se agrava ainda mais. Aproveitando-se do nosso medo, candidatos e candidatas, dos mais variados partidos, lançam mão de um sem-fim de promessas e soluções falsas. Muitas com o potencial de acentuar ainda mais a insegurança a médio e longo prazo.

O grande perigo da manipulação desonesta do medo da população é que as falsas promessas afastam das pessoas soluções concretas para problemas complexos. Isso porque a maioria delas falha em combater as causas primordiais desses problemas. Se é verdade que, por exemplo, prender cada vez mais é sinônimo de segurança, o que explica as altas taxas de crimes que persistem ao longo dos anos? Se a população prisional brasileira não retrocede em número desde as últimas décadas e os resultados alcançados pelas políticas de segurança implementadas até então têm sido pífios, isso significa que apostamos em modelos falidos de gestão e seguimos insistindo neles, mesmo na ausência de indicadores de sucesso.

Prender mais não funciona porque essa medida não busca prevenir a violência. Ela é só uma forma de “dar resposta” ao crime e tentar “mostrar” que se está fazendo alguma coisa. São as altas taxas de aprisionamento que comprovam que prender muito é resultado de uma política que reiteradamente tem fracassado em manter a população segura.

Propor medidas que pioram a violência em nome de estratégias eleitorais é grave e apenas alimenta a lógica de violações que o sistema prisional leva consigo, sistema esse que tem como principal alvo jovens negros, pobres e com baixa escolaridade, estabelecendo-se, novamente, uma dinâmica seletiva e excludente. É só olhar para o perfil das pessoas comumente presas no Brasil que facilmente chegamos a esta constatação.

Durante as eleições municipais, em especial, um outro ponto aparece: promessas que ultrapassam os limites dos cargos eletivos em questão. É bastante corriqueiro propostas que vão desde a construção de mais presídios até a militarização das guardas civis municipais. O que elas não explicam ao eleitor é que tais prerrogativas são de exclusividade da União e que muitos dos assuntos relacionados à segurança são de competência exclusiva dos governos estaduais, não dos municípios. Fato é que, em termos de segurança pública e política penal, vereadores e prefeitos pouco podem fazer quando o quesito é legislar. O que cabe ao município é o desenvolvimento de políticas públicas que passam por ações locais e territoriais, visando a proteção e a prevenção da violência, como mostra a Rede Justiça Criminal em sua agenda ‘Sem o município, não há solução para a violência’.

As cidades podem ser o espaço ideal para o desenvolvimento de uma cultura cidadã que vá além de uma concepção meramente repressiva de segurança. Isso passa, entre outras coisas, pela recuperação e conservação de espaços públicos, especialmente em áreas mais vulneráveis, opções de lazer e promoção da cultura, mecanismos de participação social e pelo acesso a serviços e direitos básicos por parte dos munícipes, em especial de grupos marginalizados.

 A violência é um fenômeno de várias faces e múltiplas causas. Por essa razão, sua superação exige o envolvimento de diversos setores, através de abordagens multidisciplinares, transparentes, inclusivas e participativas. Exigir que nossos representantes apresentem propostas pautadas em estudos científicos de credibilidade é cobrar responsabilidade no uso do dinheiro público. É preciso visibilizar assuntos não menos importantes como pobreza, saúde e educação e estimular ações que respeitem os direitos humanos, a cidadania e mediações pacíficas de conflitos.

É nas cidades que a vida cotidiana acontece. São nestas mesmas cidades que a proximidade diária entre gestores, população e território oferece oportunidades para o entendimento da dinâmica que alimenta a violência ou a diminui por meio de políticas públicas adequadas. Que nestas eleições, estejamos munidos o suficiente contra soluções que mascaram a real fonte de nossos problemas mais profundos. Afinal, da mesma forma que sem o município, não há solução para a violência, sem eleitores conscientes não há saída para a desinformação.

Janine Salles de Carvalho é coordenadora executiva da Rede Justiça Criminal.