Feliz sete de setembro! Meu eleitorado sabe que eu sou arquiteta, e meus leitores sabem que minha visão de mundo é alta em semiótica cultural, essa parte fascinante do amplo estudo dos sistemas de signos em contextos humanos. E neste feriado da Independência, quero que a gente trabalhe para desfazer uma tentativa perversa de fixar símbolos brasileiros a um tipo só de brasileiros, tornando-os em vitrine para ambições fascistas, e iconografia de mobilização de massa. 

O feriado da Independência do Brasil, comemorado em 7 de setembro, celebra a data de 1822 em que nossa autonomia em relação a Portugal foi declarada. Um simbolismo deste momento, muito reconhecido nas artes e livros de história, é o quadro de Pedro Américo de Dom Pedro I fazendo a proclamação às margens do Ipiranga, em São Paulo. 

Cresci vendo o feriado ser ilustrado com desfiles cívico-militares, em que também participavam escolas de norte a sul do país, com jovens marchando ao som das bandas marciais. O Brasil tem uma relação simbólica peculiar com as imagens das forças armadas; quem lembra da participação ativa do Exército nas campanhas de vacinação, antes mesmo de o Zé Gotinha ser um ícone? 

Dois anos atrás, quando era comemorado o bicentenário da Independência, o então presidente Jair Bolsonaro violou a legislação eleitoral ao tentar transformar o feriado de num ato de campanha – e de nacionalismo excludente, essa forma radical e negativa de “amor” à pátria, que odeia compatriotas, é racista e xenófoba, e exalta políticas de eliminação e discrimição de grupos que não são vistos como pertencentes à nação. O principal discurso do inelegível foi em um palanque montado na Praia de Copacabana, aqui no Rio, e em fala de 15 minutos ele atacou os que tampouco considera brasileiros “verdadeiros”: a esquerda e o Presidente Lula.

Lula mesmo assim foi eleito, com a ajuda de muita luta empreendida pela gente. Nos anos que antecederam esse momento, o feriado da Independência e outros símbolos nacionais ganharam uma dimensão política perversa em verde e amarelo. A data, que marca um rompimento colonial, foi usurpada por grupos que vêem nos próprios brasileiros seus inimigos. 

A camisa da Seleção Canarinho foi usada por manifestantes que, de início, pareciam apenas fetichizar a ideia de participação política, mas que culminaram nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas extremistas invadiram e depredaram edifícios do governo federal. A CBF felizmente não abandonou a aura verde e amarela, e manteve o uniforme, mas fez um golaço no design da segunda camisa oficial da Copa do Mundo de 2022 – em azul com mangas glamourosas em grafismo de onça-pintada, o tipo de orgulho nacional que a gente gosta e quer. 

Compreensivelmente, as pessoas buscam acolhimento, e como os símbolos nacionais pertencem a todos, foi uma estratégia fácil e baixa e empregá-los para incentivar algumas pessoas a serem contra a esquerda, os negros, a população LGBTQIA+, as mulheres, indígenas, pessoas com deficiência, crianças, enfermos, e outros grupos visivelmente maltratados pelo bolsonarismo. 

A nossa bandeira, também manipulada para inflamar divisão entre brasileiros, foi criada para celebrar a proclamação da República, em 1889, por positivistas que mantiveram o campo verde e o losango dourado da bandeira imperial anterior, mas no círculo azul que este lábaro ostenta, estrelado, substituiu o brasão do Império Português com o registro astronômico do céu do nosso Rio de Janeiro conforme a noite daquele 15 de novembro. 

Coisa linda. Os versos do nosso hino nacional, também muito belos e distribuídos em duas partes simétricas em poesia e ritmo, bradam retumbantes que o país é mãe gentil aos filhos deste solo, adora e idolatra sua beleza maior do que as terras mais garridas, e quer paz no futuro e glórias no passado – que temos, não sem acumular desonras. Como a de presenciar na história um grupo de brasileiros usando símbolos de todos os brasileiros para demonizar brasileiros. 

A celebração da independência, e outros itens de iconografia nacional, foram instrumentalizados para reforçar uma base de apoio. Quero que nesta e em outras celebrações nacionais que ainda virão, a gente se fortaleça como o Brasil da união e reconstrução. Há 202 anos somos uma nação independente, e seguimos trabalhando por cada vez mais soberania nacional, com autonomia política, controle territorial, reconhecimento internacional, proteção da identidade nacional, e de cada brasileira e brasileiro. 

*Tainá de Paula é arquiteta, urbanista e ativista das lutas urbanas. É especialista em Patrimônio Cultural pela Fundação Oswaldo Cruz e Mestre em Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ex-Secretária Municipal de Meio Ambiente e Clima, atualmente é vereadora da Cidade do Rio de Janeiro, candidata à reeleição.