Tragédia no Rio Grande do Sul escancara Racismo Ambiental
Entenda como a maior enchente da história do estado impactou a vida de pessoas pobres, negras, quilombolas e indígenas
Por Ana Cecília Antunes
Este ano, o desastre ambiental no Rio Grande do Sul evidenciou mais uma vez as desigualdades sociais e raciais enfrentadas por muitos brasileiros. No dia 16 de maio, o condomínio de luxo Lagos de São Gonçalo despejou, durante seis horas, a água dos lagos artificiais da propriedade numa avenida de acesso ao Canal São Gonçalo, prejudicando o Passo dos Negros, território que também beira o córrego. Localizado em Pelotas (RS), o Passo dos Negros concentra uma população preta, parda e de baixa renda.
O duto clandestino utilizado pelo conjunto habitacional para escoar a água pode ser considerado um instrumento do que é chamado de racismo ambiental. O Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz explica que o termo se refere a uma expressão da desigualdade socioambinetal, tendo como principais vítimas as minorias raciais e sociais. Pessoas negras, indígenas e em vulnerabilidade social são afetadas pelas tragédias ambientais de maneira desproporcional.
O impacto das enchentes no Rio Grande do Sul pode ser um reflexo desse problema. De acordo com os mapas desenvolvidos pelo Observatório das Metrópoles, as áreas mais atingidas são as menos favorecidas economicamente. Essas regiões coincidem com os bairros em que a porcentagem de pessoas pretas e pardas é maior em comparação com a média dos municípios. Ainda segundo a pesquisa da Fiocruz, a habitação de zonas alagáveis também é um sintoma do racismo ambiental. Indivíduos de baixa renda se veem obrigados a viver em lugares de risco por efeito da ausência de políticas públicas habitacionais inclusivas.
De acordo com levantamento do Serviço Geológico do Brasil (SGB), mais de 4 milhões de brasileiros vivem em áreas de risco
Conforme análise da Coordenação Nacional da Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) reportada pela Agência Brasil, todas as 6,8 mil famílias quilombolas do Rio Grande do Sul sofreram com as enchentes. Das 170 comunidades constituídas por descendentes de escravizados no estado, 15 estão totalmente isoladas por conta das estradas que foram danificadas. O acesso a esses quilombos tem sido feito de barco e helicóptero.
Em entrevista ao G1, o presidente do quilombo Unidos do Lajeado afirmou que 14 casas foram destruídas pela água. A inundação e a chuva também atrapalharam a agricultura e a atividade turística local. Para sobreviverem, as famílias contam com doações de alimentos do Conaq e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Além de ter uma expressiva população quilombola, o Rio Grande do Sul é o 12º estado brasileiro com a maior quantidade de indígenas. De acordo com o Censo 2022 do IBGE, eles somam 36.102 habitantes. Mais de 16 mil foram diretamente prejudicados, segundo relatório da Secretaria de Saúde Indígena (SESAI). Muitos deles precisaram ir para abrigos, como foi o caso do povo Guarani Pekuruty. Retornando à aldeia, a comunidade se espantou ao ver que parte das moradias e uma escola haviam sido demolidas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (Dnit).
Os moradores contaram ao jornal O Globo que não houve nenhum aviso prévio. O Dnit declarou em nota que a demolição foi uma ação emergencial para restabelecer a trafegabilidade na região. Alegou que o licenciamento ambiental teve aval da Funai e teria sido comunicado aos indígenas. O órgão prometeu construir casas de alvenaria mais seguras, mas não estabeleceu um prazo.
As minorias raciais e sociais, apesar de terem sido afetadas de forma mais violenta pela catástrofe ambiental, não foram as únicas atingidas. Até mesmo lugares de melhores condições econômicas alagaram por causa do descaso governamental diante da crise climática. Apesar dos alertas meteorológicos, as autoridades falharam em alertar e proteger a população. A demora na decretação de calamidade pública, a falta de infraestrutura da Defesa Civil e a ausência de preparo para enfrentar desastres naturais agravaram a situação, resultando em 172 mortes e quase 600 mil desalojados.
O cenário é de muita insegurança em relação ao futuro. Hoje (5), é comemorado o Dia Mundial do Meio Ambiente. Em 2024, o tema anfitrião definido pela ONU é “Geração Restauração”. Vai ser necessário muito trabalho coletivo para restaurar o que foi devastado no Rio Grande do Sul.
Como ajudar?
FUNDOCrioula: doe para fortalecer as iniciativas que acolhem povos tradicionais de matriz africana, comunidades quilombolas, famílias negras periféricas e animais que precisam de atenção e solidariedade.
Chave Pix: [email protected]
Campanha centralizada: Campanha do Conselho Missionário Indigenista (CIMI) em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpin-Sul) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) para apoiar a população indígena afetada pelo desastre climático no Rio Grande do Sul.
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ApenasUmTime: movimento que busca, através do espirito esportivo, socorrer as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul.
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