Suas prioridades se sobrepõem às dos demais setores da sociedade, seja restringindo direitos indígenas, afetando a saúde de vizinhos e de consumidores, ou ignorando as mudanças climáticas.

Na última semana, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estimou que a produção de grãos no país – safra 2023/24, deverá ser de 306,37 milhões de toneladas, 13,5 (4,2%) a menos que na anterior. A queda foi atribuída às chuvas escassas e mal distribuídas, e às altas temperaturas nas regiões produtoras. O clima variou pela influência do El Niño, associada ao aquecimento das águas do Atlântico pelo efeito estufa.

No Mato Grosso, maior produtor agrícola do país, a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) estima uma quebra de 10 milhões de toneladas na safra de soja. O estado continua aumentando o desmatamento e fragilizando a legislação ambiental, facilitando a extinção de parques estaduais e permitindo o garimpo em reservas legais de propriedades rurais.

Os cientistas afirmam que as condições climáticas atuais devem se estender aos primeiros meses deste ano, afetando também o plantio da safrinha. Eventualmente, elas até poderão oscilar para melhor, mas a tendência no futuro é de piora das condições climáticas com o agravamento do efeito estufa.

INVERSÃO DE PRIORIDADES

Os ruralistas também querem priorizar, nesse ano, a derrubada dos vetos presidenciais ao PL do Veneno (1459/2022), que impedem a fiscalização pela ANVISA e pelo IBAMA dos efeitos de novos produtos agrotóxicos para a saúde das pessoas e do meio ambiente, deixando a análise e a autorização de seu uso apenas com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).

Foto: Redes sociais deputado Pedro Lupion

Lupion disse também que será priorizada a tramitação na Câmara dos Deputados da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 132/2015, aprovada em 2015 pelo Senado. A PEC 132 reconhece o direito à indenização para os portadores de títulos dominiais incidentes em terras indígenas em processo de demarcação. Assim como o Senado, o STF também avalizou esse direito, no caso de títulos emitidos pelos estados ou pela União, mas os ruralistas querem estendê-lo a demarcações passadas e a potenciais grileiros.

Apesar do impacto das mudanças climáticas na produção agrícola, essa agenda não é prioritária para os ruralistas. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) se opõe à inclusão na regulamentação do mercado de carbono dos grandes proprietários rurais entre os atores econômicos que devem cumprir metas de redução da emissão de gases que provocam o efeito estufa. Mas quer que a futura lei facilite o acesso dos fazendeiros às oportunidades econômicas geradas por esse mercado.

ABUSO DE PODER

Os proprietários de terra são uma pequena minoria da população, mas detém uma grande influência política e cultural, sobretudo nas cidades do interior. Sempre elegem grandes bancadas e, nessa legislatura, a FPA chegou a 300 adesões, engrossada por parlamentares de extrema direita sem relação direta com o campo, mas que aderem a ela em busca de apoio para outras causas.

Com cara dura e a coordenação de Lupion, a postura da bancada ruralista tem sido ainda mais tosca e arrogante. Suas prioridades se sobrepõem às dos demais setores da sociedade, seja restringindo direitos indígenas, afetando a saúde de vizinhos e de consumidores, ou ignorando as mudanças climáticas. Não investe na produção de ciência para adaptar as culturas às condições do clima, não reconhece a importância das florestas e das áreas protegidas para os regimes de chuvas e negligencia com a própria saúde para auferir renda.

Para a FPA, a maioria eventual no Congresso também lhe dá o direito de se sobrepor aos demais poderes e à própria Constituição. Nessa semana, emitiu uma nota para contestar uma liminar concedida pelo ministro do STF, Edson Fachin, para dar sequência à demarcação de terras indígenas no Paraná. O tom da nota não admite o livre exercício de função do magistrado e aventa restrições legais para ameaçá-lo.

MARCA DO PÊNALTI

No auge do seu poder, os ruralistas acham que podem tudo. Impõem-se sobre maiorias e minorias, submetem e desafiam os poderes da República. Porém, está cada vez mais difícil ignorar a crise climática. Não há perspectiva de revertê-la no curto prazo e não há como enfrentá-la atuando isoladamente. A estratégia da FPA, de confronto a tudo e a todos, está próxima do seu limite.

A queda da atual safra não é a primeira e não é isolada. Esta semana, por causa das tempestades, entram para a conta do Rio de Janeiro mais 12 mortes. A maior frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos é evidente. A redução da disponibilidade de água ameaça todas as formas de vida, além da geração de energia hidráulica, do abastecimento das cidades e da irrigação das lavouras.

O negacionismo ruralista ainda serve para enganar muita gente e estamos em ano de eleições municipais. Mas não serve mais para enfrentar a maior ameaça presente para a agricultura, assim como para todos nós, que é a crise climática. A insistência ruralista em querer, ainda, muito mais do mesmo, pode determinar o tamanho do seu próprio tombo.