Conheça as Verdonnas, torcedoras que se uniram pelo amor ao Palmeiras e que levam, agora, sua torcida para a Copa do Mundo

Foto: Arquivo Pessoal / Edina Sacramento dos Santos

Por Cristina Dominghini Possamai

Uma tabelinha digna das atuais campeãs paulistas e da América. Quando Ary Borges serviu Bia Zaneratto, dentro da área panamenha, a bola já tinha endereço certo: as redes. O terceiro gol, na estreia brasileira, a milhares de quilômetros, na Austrália, foi uma construção coletiva dentro das quatro linhas que refletiu além delas e virou motivo para celebração em verde e branco.

Companheiras de clube até o final do ano passado, Bia e Ary brincam que o ‘nosso parmeirinha’ vive nas redes sociais, o mesmo espaço tomado por palmeirenses que comemoraram com saudosismo o recente quarto gol brasileiro e o terceiro de Ary Borges, que fechou o roteiro com um pontapé perfeito na Copa do Mundo.

Foto: Fabio Menotti/Palmeiras/by Canon

Coincidentemente, o clube, que receberia dois dos destaques da estreia brasileira, surgiu há quatro anos na temporada da, então, Copa do Mundo da França. E o flashback de fora de campo, especificamente de 2019, veio para as palmeirenses com uma cabeçada de Wendie Reinard, nos minutos finais do jogo.

Ainda que o canto “o Palmeiras é o time da virada, o time do amor”, conhecido das arquibancadas do Allianz Parque, em momentos desafiadores, entoasse, fortemente, entre torcedoras que esperavam pela entrada de Bia ou uma jogada individual de Ary, na partida válida pela segunda rodada da Copa do Mundo 2023, o tabu seguia: o Brasil não conseguiu colocar o feito em prática, apesar do gol de Debinha no segundo tempo.

O verde é a cor da esperança 

Mas o verde sempre será a cor da esperança, ainda que o foco da torcida, desde o dia 20 de junho, sejam a camisa amarela e o calção azul. “A seleção masculina nunca foi campeã mundial sem um jogador palmeirense no time e, com as meninas, vai acontecer a mesma coisa”, afirma a jornalista Roberta Daniele de Oliveira Santana. “Bia e Ary representam as palestrinas em campo”, acrescenta.

E o Palmeiras acabou se tornando o ponto de encontro e de partida de centenas de mulheres apaixonadas por futebol, assim como Roberta. O fato catalisador dessa união de palmeirenses que, até então, compartilhavam, apenas, o amor pelo clube foi um episódio, no metrô de São Paulo, em setembro de 2018, envolvendo duas torcedoras que foram expulsas de um vagão.   

“Elas foram expulsas de um vagão por diversos torcedores corintianos (entre homens e mulheres). O caso gerou repercussão e, no Twitter, uma palmeirense, que estava indignada, resolveu propor a criação de um grupo para que as mulheres se sentissem (e estivessem, de fato) seguras no percurso até o estádio. Fizemos um grupo a partir de uma discussão, ali, na rede social, com as outras torcedoras que se mostraram interessadas”, relembra a educadora Tainá Shimoda, uma das idealizadoras do movimento Verdonnas.

Foto: Arquivo Pessoal / Edina Sacramento dos Santos – Participantes do coletivo Verdonnas apoiando as Palestrinas

O grupo cresceu rapidamente, tanto nas redes sociais quanto nos aplicativos de troca de mensagens, e passou a contar com palmeirenses de, praticamente, todas as partes do Brasil.

“Soube do Verdonnas através de matérias que saíram na mídia. Ali, eu conheci o movimento e achei super interessante. A ideia de um grupo para ir aos jogos, se proteger e fazer amizades. Mas eu só fui entrar no grupo de WhatsApp um tempo depois, quando notei que meu esposo tinha vários grupos de homens para falar de futebol, e eu não tinha nenhum grupo de mulheres para falar de futebol, de Palmeiras”, conta a bancária Bárbara Giovenardi Dal Médico.

Retomada das Palestrinas e surgimento do Verdonnas Futebol Feminino

O dia 13 de fevereiro de 2019 se tornou um marco devido à apresentação do time de futebol feminino do Palmeiras, também conhecido como ‘Palestrinas’. Kerolin, hoje brilhando com a camisa da seleção na Copa do Mundo, chegou a participar daquele momento na Academia de Futebol. Mas ela não conseguiu defender as cores do Verdão devido a problemas num caso de dopping, fato que a afastou dos gramados por cerca de dois anos.

Foto: Reprodução / TV Palmeiras

“O grupo do futebol feminino surgiu bem depois. O Palmeiras reativou o time feminino em 2019, por obrigação da CBF e da Conmebol, e nós ficamos bem animadas, porque foi pouco depois de o Verdonnas surgir e fazia muito sentido estarmos próximas ao time, acompanhando”, explica Tainá.

“Nossa principal comunicação com outras integrantes é por meio do WhatsApp. Mas as informações sobre futebol feminino estavam se perdendo nos grupos gerais, porque, de fato, nem todo mundo se interessava. Resolvemos criar um grupo focado em futebol feminino. Avisamos em todos os grupos, pedindo que quem tivesse interesse se manifestasse e fomos adicionando as pessoas. Hoje em dia, é um dos grupos mais movimentados e todas conversam bastante sobre o Palmeiras, em geral, e muito sobre futebol feminino”, acrescenta.

Sendo assim, as conversas online se transformaram em apoio presencial para as Palestrinas em jogos e treinos. No primeiro ano de retomada, a equipe alviverde conquistou o acesso à Série A1 do Brasileiro e o título da Copa Paulista. Na temporada seguinte, a história de Ary Borges, Bia Zaneratto e Angelina (convocada oficialmente para a Copa após a lesão de Nycole) começou a se cruzar com as Verdonnas.

“Em 2020, fui no primeiro treino do feminino na arena. Lá, vi o grupo do Verdonnas. Chegando em casa, pesquisei no Instagram e achei elas. Depois, entrei no grupo do WhatsApp, mais voltado para o masculino, e, posteriormente, entrei no Verdonnas Futebol Feminino”, pontua a instrutora de treinamento Edina Sacramento dos Santos.

“[Espaço] Extremamente importante, amo futebol, amo mais ainda futebol feminino. Tinha o sonho de ser jogadora, mas lá atrás era muito difícil, meus pais não apoiavam também. Ter um grupo de mulheres para falar sobre futebol é maravilhoso”, complementa Edina.

A analista de marketing Giuliana Mascaro Ferrari também sentiu-se mais inclinada a acompanhar o futebol feminino ao aderir ao grupo e interagir com as outras torcedoras. “Eu queria acompanhar mais o futebol feminino do Palmeiras. Já que era tão apaixonada pelo masculino, me senti na obrigação de fazer o mesmo pelo feminino”.

Foto: Arquivo Pessoal Giuliana Mascaro Ferrari

“Eu fazia parte do Verdonnas, desde o início, e achei incrível a iniciativa de apoiar as mulheres nos estádios de futebol. O espaço é ótimo, porque podemos debater muitas coisas, em dias de jogos do masculino e do feminino, é incrível a interação das meninas. E é um espaço seguro, pois não tem ninguém te julgando e xingando por saber de futebol”, completa.

A advogada Thais Soares de Lima – que tomou conhecimento do coletivo por meio das postagens em redes sociais – compartilha a mesma opinião. “Achei legal poder falar só com mulheres sobre futebol, sem homens querendo nos ensinar e rir da gente, e pra ter mais companhia para ir ao estádio. Já no Verdonnas Futebol Feminino eu entrei meses depois. Achei legal ter um espaço para falar de futebol feminino já que no grupo ‘comum’ pouco se falava”.

“Futebol feminino sempre fez parte da minha vida: joguei futebol na escola, desde o ensino fundamental ao ensino médio, e depois em um clube escola até meus 18 anos. Mas, nem de longe, eu imaginava que meu time teria um time feminino, que eu iria a um jogo e tiraria foto com as jogadoras, que teria novas ídolas – Bia Zaneratto, Ary Borges, ótimos exemplos – e que testemunharia a conquista da Libertadores da América”, comenta Barbara, que esteve – ao lado de outros torcedores – no aeroporto para receber as campeãs da América.

Desde a época de jogos realizados em Vinhedo, passando pelos confrontos no Allianz Parque até as partidas como mandante, neste ano, no Estádio Dr. Jayme Cintra, todas as mulheres entrevistadas já tiveram a chance de ocupar arquibancadas. “Frequento jogos do feminino e, em 2023, estou indo nos jogos que somos mandantes porque as meninas estão jogando do estádio Jayme Cintra, que fica na minha cidade (Jundiaí/SP)”, disse Roberta.

Além disso, a atmosfera dos jogos de futebol feminino foi bastante elogiada, inclusive servindo de incentivo para assistir às partidas de outras equipes. “Já fui assistir até a jogos de outros times, também, para poder fazer volume e ajudar a modalidade”, revela Edina.

Torcida verde, amarela e azul

Se o verde já faz parte do dia a dia de palmeirenses, acrescentar o amarelo e o azul, na torcida pela seleção, durante a Copa do Mundo, não foi problema, especialmente quando velhas conhecidas e a camisa 10 das Palestrinas são convocadas pela técnica Pia Sundhage.

Entretanto, o interesse não ficou limitado aos jogos da seleção brasileira. “[Interação no grupo] ajudou muito, porque ver as meninas comentando no grupo me deixa ainda mais empolgada de ver os jogos e poder comentar”, ressalta Giuliana.

Apesar dos horários dos jogos, a ideia de criar um bolão foi bem-vinda. Mesmo quem não consegue dar seus palpites acaba se informando sobre o Mundial graças à resenha diária. “Não tenho conseguido acompanhar muito os jogos da Copa do Mundo, em vista dos horários. Eu trabalho muitas horas por dia e preciso dormir. Mas é muito legal porque trocamos informações e boas opiniões”, disse Thais.

Para algumas das torcedoras, essa está sendo a primeira oportunidade de participar de um Bolão, brincadeira já tradicional em edições masculinas da Copa do Mundo. “Sobre o bolão, é a primeira vez. Estou muito empolgada nesta Copa e feliz pela evolução do futebol feminino e por ter uma dose de sororidade diária com as Verdonnas”, destaca Barbara.

Já Edina está levando o desafio bem a sério, com análises de estatísticas e dos confrontos. “Sempre acompanhei as Copas, desde pequena. Essa tem um gosto especial por toda repercussão. Eu não sou fã de apostas, mas estou no Bolão das Verdonnas. É a primeira vez, mas estou curtindo porque força a gente a fazer análises”. 

Foto / Arquivo Pessoal – Edina Sacramento dos Santos

Roberta, por sua vez, entende que a Copa deste ano será um ponto de virada para a modalidade. Lembrando que o Mundial 2023 já é histórico por contar com 32 seleções e estar acontecendo em dois países-sedes: Austrália e Nova Zelândia.

“Gosto bastante de ler as conversas e interagir no grupo porque é um espaço de muito respeito e conseguimos expor nossas opiniões sem julgamentos ou chacotas, como já vi acontecendo com a opinião de algumas meninas em outros espaços. Vejo a Copa de 2023 como o grande ponto de virada para o futebol feminino. A audiência nas transmissões e a repercussão nas redes sociais mostram que existe interesse do público”.

“Lutem sem parar”

Após a derrota dolorida para a França, a seleção brasileira só pode pensar em vencer a Jamaica para avançar na Copa do Mundo. Porém, Ary Borges e Bia Zaneratto podem (muito bem) reaproveitar o lema que as conduziu à “Glória Eterna”, há poucos meses: Lutem sem parar. Porque, de fato, a torcida não vai parar, não agora.

Para Tainá, a união entre torcedoras fez, faz e sempre fará a diferença. “Falando de maneira bastante pessoal, para mim, mudou muito. Além de tudo isso, eu sinto que o grupo faz uma diferença enorme por ter um foco maior. As discussões sobre o feminino não se perdem, é possível combinar diretamente no grupo as idas aos jogos”.

“E, claro, tem algo em todos os grupos do Verdonnas: muita gente disposta a se ajudar, seja para conseguir ingressos, visitar o estádio, visitar outros lugares de São Paulo, ter companhia para jogos e outros momentos e até conselhos para vida”, acrescenta Tainá.

E a jornalista Cristina Dominghini Possamai, acabou se tornando um exemplo disso. Desde a 2014, a intenção sempre foi colocar os pés na casa do Palmeiras, mas motivos financeiros, planos mal sucedidos e pandemia fizeram com que a minha viagem acontecesse só em setembro de 2022, em um sábado de Palmeiras em dose dupla: semifinal do Brasileiro Feminino à tarde e confronto do Brasileiro masculino à noite.

A data foi escolhida, justamente, para ter a oportunidade de acompanhar tanto as palestrinas quanto a equipe de Abel Ferreira, que fazia uma campanha de potencial campeão (o que, de fato, aconteceu!). Praticamente, todos os passos da viagem contaram com dicas, ajuda e a companhia de alguma integrante do Verdonnas Futebol Feminino.

Por isso, a vontade é repetir a viagem em breve, e isso tem muito a ver com a conclusão de Barbara. “É um grupo de acolhimento, de verdade. É um privilégio fazer parte desse grupo de mulheres que amam jogar, falar, comentar, vibrar e viver intensamente o futebol, masculino e feminino. O feminino tem um grupo só pra ele, e que está bombando demais nessa Copa”.

Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube