Ogronegócio chia e retalia
Temos o agro e o ogro. O agro é muito maior do que o ogro, produz muito mais, tanto para o mercado interno quanto para a exportação
Temos o agro e o ogro. O agro é muito maior do que o ogro, produz muito mais, tanto para o mercado interno quanto para a exportação. Mas é o ogro que precisa de mais anistia, de benesses fiscais, de impunidade trabalhista, sanitária e ambiental. E é ele, também, que “curraliza” a maior parte dos votos que garantem uma representação superfaturada do setor no Congresso e na política agrícola.
O ogro deu suporte ao desgoverno Bolsonaro e, também, à tentativa de golpe de Estado após a sua derrota nas urnas. Mas, agora, reclama que Lula enfraqueceu o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e está dando mais atenção às políticas socioambientais do que às demandas de agronegócio (ou do ogro?). Reclama da recriação do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), onde ficará alocado o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e que terá como foco a agricultura familiar. A junção disso tudo no Mapa, no governo passado, não foi capaz de impedir o brutal retrocesso nas condições de segurança alimentar, relegando à fome 30 milhões de pessoas.
O ogro também reclama do retorno do Serviço Florestal Brasileiro (SBF) e da gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para o Ministério do Meio Ambiente (MMA). São instrumentos básicos da polícia florestal, que estiveram subordinados, nos últimos anos, aos interesses da ocupação não florestada do território. A sua alocação no Ministério da Agricultura não evitou a explosão das taxas de desmatamento e nem triscou as metas de reflorestamento.
O ciúme enrustido do ogro em relação à agenda socioambiental deriva do fato de que ela deixa de ficar subordinada ao ogro, que também dominou o Ministério do Meio Ambiente, o Ibama, o SBF e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), além do Incra, mas que, agora, voltarão a orientar as suas atuações pelas políticas apropriadas, e não subordinadas.
Exportação
O agro está entre os principais beneficiários da superação do isolamento internacional a que o Brasil ficou submetido nos últimos anos. A retomada das políticas socioambientais vai ajudar a destravar o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul e a abrir caminho para outro similar com a China. Também deverá facilitar o acesso das empresas brasileiras, incluído o agro, a fundos de investimentos globais, que adotam condicionantes ambientais.
O ogro enfrentará maiores dificuldades para desmatar e grilar terras públicas na fronteira agrícola, assim como para arrendar Terras Indígenas e acabar com unidades de conservação. Mas essas dificuldades reverterão em facilidades para o agro ampliar e diversificar as suas exportações, ao mesmo tempo em que intensifica a produção e qualifica a gestão das cadeias produtivas.
Os recursos gerados pelo aumento das exportações de commodities agrícolas não se revertem de forma automática em mais comida na mesa do povo. Tanto que os preços dos alimentos chegaram a um patamar abusivo, enquanto milhões de pessoas mendigam pelas ruas das grandes cidades atrás de restos. Enquanto a pasta da Agricultura foca nas exportações, o MDA deve garantir o abastecimento do mercado interno, a preços suportáveis.
Agros e agros
Outro componente são as cadeias produtivas da sociobiodiversidade, a economia da floresta. É uma dimensão do agro que rejeita a monocultura para poder conviver com a floresta em pé. É parente da agrofloresta, mas vai além na diversidade de produtos e de serviços, com escala limitada. São várias pequenas cadeias produtivas, que requerem logísticas e estratégias de fomento apropriadas para se inserirem nos mercados. O pagamento por serviços socioambientais pode fazer a diferença nesse front.
A economia da floresta precisa de sistemas de comunicação mais eficientes, de internet no fundo do mato. Precisa de energia limpa para produzir, transportar e melhorar a qualidade de vida e o acesso à informação para as comunidades. Interessa-lhes muito poder fornecer alimentos de boa qualidade para escolas e outras instituições.
Ogro que engole o agro
O ogro é cético e negacionista climático, mas o agro precisa se proteger e se adaptar. Precisa incorporar, de forma orgânica, a função essencial das florestas para a regulação climática e o regime de chuvas, articular estratégias produtivas com conservação em escala, o que requer um olhar que vá além das propriedades e enxergue o território como um todo, necessariamente diverso.
O ogro sempre chia. Ele se apropria da produtividade do agro para legitimar a expansão da ocupação predatória do território, visando os seus ganhos imediatos, em detrimento de todas as outras formas de ocupação e lesando as condições climáticas das quais também o agro depende. É a cobra se comendo pelo rabo.
Nesta semana, o Congresso Nacional deve votar a Medida Provisória que deu forma à estrutura ministerial do governo Lula. O ogro promete mobilizar a bancada do “agro” para tentar impedir a reorganização do MDA e a vinculação do SFB ao MMA. Ou seja: continua querendo impedir Lula de governar, contrariando interesses objetivos do agro.