Por Mauro Utida

Sabe aquela situação constrangedora em presenciar o são-paulino sendo ofendido de “bambi” ou o torcedor do Cruzeiro de “Marias”? Já percebeu que clubes e a seleção brasileira não têm jogadores usando o número 24? Então, estes são apenas alguns exemplos de preconceitos estruturais que começam a ser enfrentados por um grupo de torcedores que se uniram para denunciar a LGBTfobia no futebol brasileiro.

Com um trabalho pioneiro iniciado em 2019, o Coletiva de Torcidas Canarinhos LGBTQIA+ lançará, nesta sexta-feira (2), o 1° Anuário do Observatório de LGBTfobia no Futebol Brasileiro com dados de janeiro de 2020 a julho de 2021. O documento reúne casos de violência, negligências no futebol, ações dos clubes e a atuação das torcidas LGBTQIA+ de futebol.

A Canarinhos LGBTQ+ é o Coletivo Nacional de Torcidas LGBTQIA+ de futebol, e conta com 19 torcidas LGBTQIA+ de 18 clubes diferentes, entre série A, B, C e D, que estão presentes em todas as regiões do Brasil.

Observatório de LGBTfobia

Equipe que faz parte do Observatório de LGBTfobia no Futebol Brasileiro. Foto: Divulgação

O Coletivo Canarinhos também lança uma ferramenta no site oficial (www.torcidaslgbt.com.br) para receber denuncias de LGBTfobia no futebol, além do monitoramento dos casos em todo ambiente, como cânticos, declarações, atitudes, omissões e o quanto os clubes estão empenhados e atentos a causa.

O documento inédito tem o objetivo de direcionar a pauta e endossar as instituições envolvidas no esporte para que consigam criar processos de melhoria ao criar projetos, campanhas e ações que transformem o futebol em um espaço cada vez mais inclusivo, diverso e democrático.

Entre janeiro de 2020 a julho de 2021, o relatório denunciou 42 casos de lgbtfobia no futebol, sendo que em quatro situações o agressor foi um clube. A denúncia que teve maior repercussão foi contra o Flamengo, que gerou a primeira punição desta categoria no futebol brasileiro, em 2020.

A internet domina como ambiente da violência, foram 21 crimes de homofobia envolvendo futebol.

O documento foi construído em parceria com Aliança Nacional LGBTI+, Aylatin, Doisterços, Ninja Esporte Clube, Mídia NINJA e FODA, além de entidades que já atuam em prol dos direitos LGBTQIA+.

Onã Rudá, fundador da torcida LGBTricolor, do Bahia. Foto: Arquivo Pessoal

“Queremos consolidar a pauta LGBTQ+ no futebol de uma forma que não haja mais retrocessos”, declarou Onã Rudá, um dos idealizadores do Observatório e fundador da torcida LGBtricolor, do Bahia.

A parceria da torcida LGBtricolor e o Bahia é um exemplo que tem gerado bons resultados. Esta torcida tem conseguido promover a inclusão de pautas LGBTQ+ no tricolor baiano. A fundação da torcida se deu depois de algumas ações afirmativas organizadas pelo clube em combate à LGBTfobia no futebol. A primeira foi o lançamento da camisa “Não há impedimento” na coleção casual da marca oficial do Bahia. A seguinte foi a divulgação de um vídeo “levante a bandeira” com a exibição das bandeirinhas de lateral com as cores do arco-íris durante um jogo.

O torcedor tricolor baiano explica que o relatório foi focado no futebol masculino, onde o preconceito é maior e o apoio aos jogadores é menor. “A pauta LGBT tem pouco espaço no futebol masculino, mas muito à avançar”, afirmou.

Caminho árduo

Falar de diversidade não é fácil em um ambiente tóxico como no futebol. O sistema machista que rege o esporte afasta torcedores LGBTQ+ e impede que jogadores assumam sua sexualidade sem terem medo da reação da torcida, patrocinadores e mídia. Por este motivo, poucos jogadores tiveram a coragem de assumir suas sexualidades até hoje.

Segundo o relatório, no futebol brasileiro houve apenas dois jogadores que se assumiram homossexuais até hoje e nos dois casos, as revelações aconteceram após a aposentadoria. O ex-jogador do São Paulo e, atualmente, comentarista esportivo da TV Globo, Richarlyson, assumiu sua sexualidade em junho de 2022, durante a participação no podcast “Nos Armários dos Vestiários”.

O único caso que consta de um jogador assumidamente homossexual é o do goleiro Messi, do Palmeira de Goianinha, que apesar de nunca ter atuado em uma equipe que dispute os campeonatos nacionais, ficou conhecido pelos inúmeros ataques de torcedores.

O Observatório informa que atualmente não há nenhum jogador assumidamente homossexual nas séries A, B, C e D do Campeonato Brasileiro.

Ações afirmativas

Em 2021 um levantamento feito pelo Globo Esporte apenas sete do 20 clubes da Série A do Brasileirão tinham cláusulas específicas previstas em contrato que previam punições, como multa, suspensão, podendo até demitir, caso funcionários ou jogadores cometessem atos de discriminação. Os sete clubes são: Bahia, Corinthians, Cuiabá, Ceará, Internacional, Palmeiras e Red Bull Bragantino.

“Até 2019, ninguém pressionava os clubes contra este tipo de violência. A partir de nossas denúncias, os clubes começaram a se posicionar sobre o tema, incluindo a CBF (Confederação Brasileira de Futebol)”, informa Onã.

Em ano de Copa do Mundo, o grupo do Observatório do Coletivo Canarinho tem mantido contato com a Fifa para fiscalizar atos homofóbicos no mundial, que acontece no Qatar, em novembro. O principal objetivo é defender ativistas que se posicionarem contra as leis que criminalizam a homossexualidade no país árabe. Bandeiras LGBTQIA+ estão proibidas dentro dos estádios durante a maior competição de futebol do mundo. “Eu acredito que haverá protestos durante a Copa, a comunidade LGBT levantará suas bandeiras no Qatar”, acredita Onã.

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