Bolsonaro poderá renunciar
O discurso golpista do presidente Jair Bolsonaro vem de longe
O discurso golpista do presidente Jair Bolsonaro vem de longe. Antecede o próprio mandato. Ele é viúvo da ditadura militar. À medida que as eleições aproximam-se, diante da perspectiva de uma derrota que pode se configurar ainda no primeiro turno, ele enlouquece e, com ele, o círculo dos generais prepotentes que foram se alinhando a sua postura antidemocrática: Augusto Heleno (ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional), Braga Neto (candidato à vice) e Paulo Sérgio Nogueira (ministro da Defesa).
O mote golpista tem sido o questionamento do sistema eleitoral e, em particular, da urna eletrônica. Embora não tenha ocorrido nenhuma denúncia de fraude eleitoral em 18 anos de uso dessa tecnologia, Bolsonaro contesta a lisura do sistema e reivindica o retrocesso ao voto impresso que, historicamente, sempre deixou espaço à fraude. Pois os generais, supostamente racionais, aderiram ao negacionismo eleitoral e ao golpismo presidencial.
Bolsonaro nunca teve compromisso com a verdade. Tudo indica que jamais terá. Mas, para os generais, pega muito mal a postura de se fingirem loucos. Mesmo assim, deram corda para a insanidade do chefe, passando recibo de carrascos da liberdade popular e de oportunistas de plantão.
Meia-volta, volver!
Heleno anda em silêncio. É provável que tenha consciência das mentiras do chefe, mas o seu espírito autoritário o leva a preferir o convívio com o negacionismo a uma eventual conversão democrática tardia. Não se sente ridículo como ministro da informação de um governo da desinformação, mas prefere sentar na cagada feita e seguir apoiando a maluquice presidencial.
Braga Neto deixou o Ministério da Defesa para assumir a candidatura a vice, lançando-se direto na política. Flertando com o golpismo, pode se imaginar como vice-ditador. Mas parece tentar absorver a popularidade minguante de Bolsonaro para levar adiante o projeto de poder do seu grupo militar. Também anda quieto nesses dias e deve ter percebido que Bolsonaro blefou e dançou.
Paulo Sérgio ficou na pior. Vinha pondo as manguinhas de fora, ameaçando a democracia, querendo impor ao TSE uma enxurrada de propostas retardadas para piorar o sistema eleitoral, como a absurda ideia de fazer, paralelamente às urnas eletrônicas, outra votação em cédulas de papel. Na semana passada, como hóspede de uma reunião de chefes militares das Américas, teve que enfiar a viola no saco e declarar respeito ao regime democrático, princípio básico da Carta das Américas, da qual os países do continente são signatários.
Manifestos contra o golpe
O negacionismo eleitoral levou Bolsonaro ao isolamento extremo após a desastrosa convocação dos embaixadores para contestar a urna eletrônica. Ficaram mal os que andaram flertando com ele, como Paulo Sérgio, forçado a fazer um recuo estratégico. Até o PL, partido do Bolsonaro, procurou o presidente do TSE, Edson Fachin, para expressar a sua confiança na urna eletrônica e no sistema eleitoral.
O que o governo menos esperava foi a erupção de duas iniciativas políticas, dos meios jurídico e empresarial, que convergiram para o lançamento, em 11 de agosto, de dois manifestos em defesa da democracia que já reuniram centenas de milhares de adesões. Embora Bolsonaro ainda persista na intenção de usar as paradas militares de 7 de setembro para escalar um golpe, seus generais já têm uma amostragem do que pode ser o day after de uma eventual quartelada.
Bolsonaro ironizou a adesão ao manifesto dos maiores banqueiros do país, vinculando-a a supostas perdas do setor com o crescimento do PIX. Mas não há como negar que o documento não emana das forças políticas de oposição, mas simboliza o descolamento formal do PIB em relação ao golpismo presidencial.
Emparedado
A enxurrada de manifestações em defesa da democracia e das eleições pôs em xeque a opção golpista e confrontou Bolsonaro com o favoritismo de Lula, que se mantém, há 60 dias das eleições, a despeito do uso abusivo da máquina e do orçamento públicos por Bolsonaro.
O pior nas pesquisas eleitorais para Bolsonaro nem é a vantagem de Lula, que pode chegar a 20 milhões de votos, mas a sua própria rejeição por 60% dos eleitores. Mais de 70% deles indicam nomes nas sondagens espontâneas e se dizem decididos. Bolsonaro seguirá, de motociata em motociata, como gado em picadeiro?
O golpe tornou-se impossível e a reversão do cenário de derrota é improvável. A hora da verdade se aproxima para Bolsonaro. Seus aliados no Congresso discutem medidas que possam garantir a sua impunidade, como a absurda proposta de transformar ex-presidentes em senadores vitalícios.
É difícil acreditar que, com o seu habitual espírito beligerante, Bolsonaro se exponha à porrada de uma fragorosa derrota eleitoral. Desde que se instituiu a reeleição, todos se reelegeram antes dele. Uma derrota em primeiro turno seria uma pá de cal sobre quaisquer pretensões futuras. O 7 de setembro será a sua última cartada e, então, ele estará à cata de mais pretextos para tumultuar a campanha eleitoral.
Não deve ser descartada a hipótese de Bolsonaro vir a renunciar à candidatura semanas antes do pleito, apelando aos seus seguidores pela abstenção ou anulação dos votos, na tentativa de deslegitimar as eleições e alegar que o vencedor representa a minoria dos eleitores. A essa altura, pode ser essa a sua opção menos pior.