Flávio Pinheiro foi absolvido, mas resolveu mudar de igreja para preservar sua família e evitar novas perseguições políticas do presbitério conservador

Flávio Pinheiro foi silenciado pela igreja, mas conseguiu sua absolvição. Foto: Arquivo Pessoal

Por Mauro Utida

“A menos que vocês provem para mim pela Escritura e pela razão que eu estou enganado, eu não posso e não me retratarei. Minha consciência é cativa à Palavra de Deus. Ir contra a minha consciência não é correto nem seguro. Aqui permaneço eu. Não há nada mais que eu possa fazer. Que Deus me ajude. Amém”. A frase é de Martinho Lutero, figura central da reforma protestante do século 16, mas também se encaixa perfeitamente para o teólogo Flávio Macedo Pinheiro, 41 anos, afastado de suas funções de presbítero pela Igreja Presbiteriana em São Paulo.

A igreja afastou Pinheiro do cargo em fevereiro de 2021 após o reverendo Ageu Magalhães, um dos líderes da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), conhecido pelo pensamento conservador e próximo do presidente Jair Bolsonaro, formular uma denúncia acusando o presbítero de comunista e marxista por defender que mulheres não devem ser consideradas inferiores aos homens, falar em direitos da comunidade LGBT, de descriminalização do aborto e da maconha e divulgar um evento do PSOL sobre o pensamento do educador Paulo Freire.

“Ou você muda teu pensamento, abandonando as posições esquerdistas e todo o conteúdo marxista cultural que vem com elas, ou você deve, diante de Deus, renunciar ao Presbiterato. Esta relação está altamente incompatível”, escreveu o reverendo ao presbítero por e-mail, em dezembro de 2019, após Pinheiro criticar Bolsonaro. Um ano depois, o presbítero foi afastado do cargo. Pinheiro teve a decisão revertida neste ano, mas o processo o levou a sair da congregação que frequentava há 19 anos, na Cidade Dutra, e mudar para uma igreja do bairro Butantã.

O presbítero afastado informa que, mesmo após a anulação do seu julgamento pelo Tribunal de Recursos da IPB, resolveu mudar de igreja para evitar novas perseguições políticas do presbitério que segue uma linha conservadora, além de preservar sua família. Ele lamenta a mudança da igreja na qual ele e sua esposa foram muito ativos em organizações de eventos, além da pregações e aulas, mas diz que gostaria de ser indicado na nova casa para voltar a ser presbítero e colaborar ativamente, como antes. “O silenciamento que me aplicaram por meio de uma disciplina foi o que me mais me doeu. Fui proibido de dar aula e realizar pregação, nem mesmo uma oração em público eu podia fazer, caso não me arrependesse pelas acusações”, revelou.

Perguntado se arrependeu, Pinheiro explicou que poderia recuperar os seus direitos como presbítero se declarasse por escrito que se arrependia das 19 denúncias feitas pelo reverendo Ageu Magalhães, mas ele avaliou que se fizesse isso, estaria mentindo. “Minha consciência sempre esteve tranquila quanto as minhas convicções, me considero um cristão da ala progressista, que defende as pautas sociais, de combate às desigualdades sociais e defensor do estado laico e da democracia. Posso ter tido alguns erros pessoais, mas minha ideologia política não pode ser questionada”, afirmou.

Perseguição política

Historicamente, a Igreja Presbiteriana do Brasil tem um posicionamento conservador, mas o período eleitoral e o alinhamento da IPB com o governo Bolsonaro aumentaram a perseguição aos fiéis de esquerda. O teólogo Flávio Pinheiro diz que grupos fundamentalistas e intolerantes estão há tempos no núcleo da IPB, mas ganharam força após Bolsonaro chegar à presidência da República e se alinhar com grupos conservadores das igrejas evangélicas.

No dia 29 de julho, a IPB aprovou um documento oficial com a resolução que condenando o “comunismo ateu e materialista”. Neste caso, se um pastor entender que o subordinado está com ideias “comunistas” ao se posicionar politicamente na igreja ou nas redes sociais, por exemplo, pode ser questionado, como aconteceu com o presbítero Flávio Macedo Pinheiro, da Igreja Presbiteriana em São Paulo.

A resolução foi aprovada pelo Supremo Concílio, órgão máximo de decisão da igreja, que também rejeitou propostas que puniam “cristãos de esquerda ou progressistas”. Esta resolução foi vazada e gerou críticas e preocupação sobre o futuro de quem está na igreja e é crítica do presidente Bolsonaro.

O caso de Pinheiro não é isolado, e revela que a IPB tem trabalhado nos bastidores para forçar a saída de pastores e fiéis críticos a Bolsonaro, como uma verdadeira “inquisição” de quem não se alinhasse ao pensamento dos pastores que comandam a denominação.

A reunião em Cuiabá, do Supremo Concílio, reelegeu o reverendo Roberto Brasileiro Silva no comando da IPB. Conforme o jornal O Estado de São Paulo apurou, Roberto Brasileiro é próximo ao presidente Bolsonaro e tem um filho, Gustavo Brasileiro, que ocupou um cargo de confiança no Ministério da Educação durante a gestão do ex-ministro Milton Ribeiro, preso no escândalo do gabinete paralelo, revelado pelo Estadão. Gustavo tentará ser eleito deputado estadual por Minas Gerais em outubro. Outros líderes influentes da IPB também já se mostraram alinhados com Bolsonaro, entre eles os reverendos Hernandes Dias Lopes, Augustus Nicodemus e, o próprio, Ageu Magalhães.0

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