A direita racha e o centro desaparece
O Instituto Atlas Político divulgou na quarta-feira (1/12) uma pesquisa de intenção de votos para as eleições presidenciais do ano que vem, a primeira após a filiação de Sérgio Moro ao Podemos e a realização das prévias do PSDB, que escolheram João Doria como pré-candidato à presidência.
O Instituto Atlas Político divulgou na quarta-feira (1/12) uma pesquisa de intenção de votos para as eleições presidenciais do ano que vem, a primeira após a filiação de Sérgio Moro ao Podemos e a realização das prévias do PSDB, que escolheram João Doria como pré-candidato à presidência. Se os números apurados forem confirmados pelos demais institutos, em novembro, a dez meses do primeiro turno de votação, as tendências dos eleitores se afunilaram significativamente.
Lula se consolida em primeiro lugar, com 42,8% das preferências, mantendo uma trajetória ascendente desde o início do ano e da série do Atlas. Está mais próximo do que qualquer outro de chegar ao segundo turno e, caso continue crescendo, poderá vencer no primeiro. A memória positiva que grande parte dos brasileiros têm do seu governo o coloca como opção mais segura ao governo Bolsonaro.
Bolsonaro, por sua vez, acentuou a tendência de queda iniciada em maio, mas ainda tem o apoio de 31,5% dos eleitores. Pode ser que o novo auxílio emergencial para 20 milhões de pessoas e o espaço fiscal aberto pelo calote aos precatórios – destinado ao aumento de gastos em 2022 – revertam essa trajetória declinante, o que o manteria como favorito para a segunda vaga no segundo turno.
Mas também pode ser que não. Sérgio Moro aparece em terceiro lugar pela primeira vez na série do Atlas, com 13,7% das intenções de voto, o que indica que o seu pré-lançamento através da filiação ao Podemos foi bem-sucedido. Ele catalisou, de cara, a faixa do eleitorado que é lavajatista, tem o combate à corrupção como expectativa principal e que provavelmente votou em Bolsonaro no segundo turno por rejeição ao PT, mas agora busca em Moro uma opção conservadora menos extrema.
Opção de direita
Na semana passada, Moro lançou o livro “Contra o Sistema de Corrupção”, que crava a sua narrativa em defesa da Operação Lava-Jato e acusa Bolsonaro de capitular diante do sistema ao se aliar ao “centrão” e proteger os filhos, envolvidos em denúncias e investigações. Moro afirma que Bolsonaro comemorou a anulação das condenações de Lula pelo STF, por entender que a polarização seria o melhor caminho para a reeleição.
Moro se lançou com o respaldo de formadores de opinião junto a setores específicos, como o economista Afonso Celso Pastore, que presidiu o Banco Central no governo João Figueiredo, e o general Santos Cruz, que foi ministro da Secretaria de Governo de Bolsonaro, com quem rompeu em junho de 2019. No seu discurso de filiação, Moro privilegiou, além do tema da corrupção, o liberalismo de mercado, a segurança pública, o conservadorismo nos costumes.
Moro se caracteriza como um candidato de direita mais autêntico do que Bolsonaro quanto à luta contra a corrupção e que mantém uma postura mais racional e menos negacionista diante da crise sanitária, por exemplo. Posiciona-se como dissidente do bloco bolsonarista e não pretende se colocar numa posição política intermediária entre Bolsonaro e Lula. Moro é de direita, e não de centro.
Inanição
Com essas inflexões e com Moro isolado no terceiro lugar, as demais pré-candidaturas da chamada “terceira via” serão fortemente impactadas. Ao cair para o quarto lugar, com 6,1% das preferências, Ciro Gomes fica mais longe de poder oferecer aos seus simpatizantes a perspectiva de chegar ao segundo turno, ou de se tornar o fiel da balança entre os dois mais votados. Assim, tende a perder ainda mais pontos. Os decepcionados com Bolsonaro se identificam mais com Moro do que com Ciro.
Mais petética é a situação de João Dória. Sua vitória nas prévias do PSDB era previsível, mas enterrou a chance do partido se apresentar de cara nova, através da postulação do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que se posicionou contra à reeleição e se assumiu como gay, com maior abertura para a renovação política. Embora Dória tenha ascendido no partido como outsider e se coloque como campeão da vacinação, ele representa “mais do mesmo”, se move por ambição pessoal e tem dificuldade para agregar apoios. Mesmo vencendo as prévias, a preferência por Dória caiu para 1,7%.
Nesse contexto, não parece haver espaço para que os demais nomes aventados venham a ter alguma chance de decolagem ou cheguem a exercer maior influência no processo. Suas postulações servirão para negociações dos seus partidos com os principais candidatos, ou serão figurantes secundários. Mas o tempo urge para todos, a campanha eleitoral está nas ruas e quem ficar de bobeira, tenderá a desaparecer.
Perspectivas
Se Moro não for detonado a curto prazo, por algum acidente ou revelação surpreendente, e se consolidar como terceira força e com dois dígitos nas pesquisas, será o fato novo a ser considerado pelas demais campanhas. Será visto como o único candidato com chances de alterar o quadro de polarização entre Lula e Bolsonaro. Moro tem um caminho definido: terá que derrotar Bolsonaro no primeiro turno para disputar o segundo com Lula.
Para Lula, o crescimento de Moro interessa para aprofundar o racha da direita e enfraquecer Bolsonaro que, no entanto, é o candidato preferido num eventual segundo turno. Se Moro superar Bolsonaro no primeiro, terá mais chances contra Lula no segundo. Por isso, faz todo sentido Lula empreender esforços para tentar liquidar a fatura no primeiro turno – o que depende de alianças para além da esquerda.
É por aí que passam as negociações sobre a possibilidade de Geraldo Alkimin vir a ser o vice de Lula. Alkimin se mantém em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto para governador de São Paulo e foi excluído do PSDB pelo grupo de Dória. Seu deslocamento para vice aumentaria a vantagem de Lula no maior colégio eleitoral do país e abriria espaço para uma ampla composição de forças nas eleições para o governo estadual e o Congresso.
As sinalizações de Lula para os líderes do “centrão”, que agora controlam Bolsonaro e a sua candidatura à reeleição, também fazem sentido. Caso uma eventual subida de Moro derrube Bolsonaro, o que Lula pode pode levar, no caso de um segundo turno contra o Moro, é o apoio dos fisiológicos, e não dos ideológicos – que o rejeitam. São hipóteses que incomodam os apoiadores de Lula mais à esquerda, mas são coerentes com o pragmatismo eleitoral.
A situação também ficou complexa para Bolsonaro, que apostou num repeteco de 2018 e focou na polarização contra Lula, mas terá que priorizar o embate contra Moro durante vários meses. A linha de ataque que ele adotou, de acusar Moro de traidor, não parece que vai colar. Embora a retórica da lealdade versus traição sensibilize a área militar, por onde também avança a candidatura de Moro, é óbvio que foi Bolsonaro quem mudou de rota ao se casar com o “centrão”.
Também há uma contradição intrínseca à candidatura de Moro. Sua posição à direita facilita agregar dissidentes bolsonaristas, mas dificulta chegar à maioria absoluta de que precisaria para derrotar Lula. Não seria muito fácil dar uma guinada em direção ao centro depois de meses de disputa pelo voto mais conservador e não tendo jogo de cintura para costurar interesses políticos. Lula chegaria ao eventual segundo turno em melhores condições de disputar esse espólio.
É mais do que lamentável que o maior objeto de desejo dos candidatos seja o bolsonarismo dissidente, o que tende a dar um tom mais conservador à retórica eleitoral, pelo menos até o primeiro turno. Num momento tão grave, em que o mundo procura saídas para as crises sanitária e climática, com a recuperação econômica orientada para a sustentabilidade, e em que o país acumula problemas que vão da miséria à crise hídrica, o debate pode baixar ao nível das fakes que infestam corações e mentes através dos púlpitos e das redes sociais.
Por outro lado, nenhum governo vai tirar o país do fundo do poço só com papo furado. É calamitoso o nível de subversão e de desestruturação dos órgãos e políticas públicas, que terão que ser reconstruídos num quadro de limitações fiscais. A opção é a construção de parcerias com organizações e movimentos mais dinâmicos da sociedade. Além disso, o Brasil terá que superar o atual isolamento externo para acessar investimentos, tecnologias e acordos comerciais que nos ajudem a retomar o desenvolvimento.