Ponte aérea espacial em meio ao colapso
A fuga dos bilionários para o espaço nesse momento dá o que pensar.
Não existe uma segunda Terra, mas em meio a uma pandemia e crise sanitária e humanitária, os bilionários começaram a corrida pelo turismo espacial, que também tem objetivos mais amplos, a colonização de outros planetas, estudos para bunkers espaciais para quando essa Terra aqui colapsar ou chegar no seu limite.
E sim, isso não é um delírio, a era dos extremos climáticos é mais factível e cientificamente previsível que a colonização da lua, ou de planetas no sistema solar ou fora dele, nos exoplanetas, pelos “terraformadores”, sim formatadores de planetas ou satélites para habitarmos.
São sensações contraditórias vendo o homem mais rico do mundo, o criador da Amazon e a agora da Blue Origin, com sua tripulação de 4 pessoas entre eles um rapaz de 18 anos e a ex-piloto de 82 anos flutuando e brincando no espaço, saindo de órbita em um voo de 11 minutos que custou 1 bilhão de dólares e já fez história neste dia 20/07/2021 exatamente 52 anos depois em que na mesma data a humanidade acompanhava o pouso da missão Apollo 11 na Lua.
A fuga dos bilionários para o espaço (o próximo será Elon Musk, da Tesla e semana passada saiu de órbita Richard Branson) nesse momento dá o que pensar. Existe a experiência humana, fascinante, e a ficção científica de habitar outros mundos e existe a linha de fuga predatória: vamos esgotar, explorar, envenenar esse planeta e criar bunkers espaciais, colonizar a lua, ou exoplanetas e mesmo transferir para “fora da Terra” todas as indústrias pesadas, poluidoras, etc. Não deu certo aqui!
O máximo que o capitalismo fez foi transferir para países pobres toda a produção que envenena, polui, explora. Que humanidade seria essa com poder para se livrar de um cenário cada vez mais Mad Max para o neo vipismo em paraísos espaciais?
Bem, a hipótese está em curso e se chama “terraformação” a denominação dada ao processo, até agora hipotético, de modificação da atmosfera, da temperatura, da topografia e ecologia de corpos celestes, estrelas, planetas, etc para adequar seus ecossistemas para nós, os vivos da Terra.
Voltando a Bezos, os americanos são pragmáticos: “Agradeço a cada funcionário da Amazon, a cada cliente. Vocês pagaram por isto tudo aqui”, disse Jeff Bezos, feliz 🙂
Bezos, logo depois da aterrisagem vitoriosa, estava na CNN oferecendo dois prêmios milionários para serem aportados para grupos e movimentos que pesquisam as ações climáticas, ongs indígenas, grupos de ativistas negros e outros projetos que realmente fazem a diferença aqui na Terra. Como se dissesse: eu sei que o que tem que ser feito para remediar o planeta e as desigualdades, mas… Como eu disse o pacote todo é esse ai, eufórico depressivo!
A Terra, essa sim, está em disputa por forças predadoras cujo pensamento pragmático e terrível é: depois de mim, ou de minha corporação, depois que já tivermos usufruído tudo, pouco importa o destino dos demais humanos ou o futuro deste planeta.
Não é à toa que Bezos levou uma mulher de 82 anos na viagem, uma valorosa pilota e ex-instrutrora de voos da NASA que nunca foi ao espaço por ser mulher, diga-se. Quem são os turistas que irão pagar milhões para dar uma olhada na Terra de cima, em órbita, mesmo que por dez ou poucos minutos e a um custo ecológico (lixo espacial, combustível) caro para os demais? Milionários e bilionários que acumularam fortunas e se dão ao luxo dessa e outras extravagâncias no final de suas vidas. Mas a questão ultrapassa em muito o estilo de vida de bilionários e está no nosso cotidiano, é real e concreta.
Não é por coincidência que entre os movimentos em torno das mudanças climáticas, estejam grupos muito jovens que partem da constatação que a vida na Terra está em crise, que devemos ouvir os cientistas que falam do Antropoceno, essa era em que nós somos o vírus e a doença da Terra, nós somos a Covid-19 do planeta.
O movimento Extinction Rebellion mostra como as gerações mais velhas no poder e nos governos globais e as corporações têm poder para ferrarem de vez o ecossistema terrestre muitas vezes condenando os mais jovens e toda a espécie ao extermínio. Não se trata mais de discutir e nem de falar sequer de “extinção”, mas de extermínio mesmo, pois o processo de destruição é consciente e ainda seria reversível.
Falam da perda de biodiversidade, crise nas colheitas, colapso social e ecológico e sim, extermínio em massa. Afinal, o capitalismo precisa mesmo de tanta gente no planeta? Existe um “exército de reserva” que pode ser sacrificado? Bem é só olhar para migrantes, periféricos, povos indígenas, grupos vulneráveis, 530 mil mortos de Covid-19 no Brasil para constatar que não estamos delirando.
O tempo para nós e para o planeta se esgota, governos de homens brancos e idosos, corporações poderosas falharam na gestão da Terra. O movimento Extinction Rebellion é uma dessas emergências ou figuras como a ativista ambiental sueca Greta Thunberg, uma revolta de jovens que defendem a Terra.
Por outro lado, a mentalidade predadora segue e está fazendo um botin no Brasil, como se os recursos naturais e humanos fossem ilimitados, como se “progresso” se confundisse com exploração e assujeitamento máximo de tudo que está vivo: Amazônia, rios, povos indígenas, população. Um neocolonialismo de extermínio e extinção.
Os planos de instituir colônias ou “terraformar” planetas no sistema solar ou fora dele (exoplanetas) fala mais de um impulso neocolonial sideral sem fronteiras e igualmente predador, negócios extratosféricos do que de novos imaginários para a humanidade.
Não se trata de simplesmente desqualificar as experiências espaciais e as tecnologias para viagens siderais, mas essa mistura de euforia e depressão vendo a comitiva sideral de Jeff Bezos emerge porque nesse momento a importância de ir além da Terra se torna minúscula diante da urgência de cuidar do nosso planeta-casa, o único no universo que até agora sabemos capaz de nos suportar. Mas por quanto tempo?
Bem vindos ao turismo sideral! Temos que consultar nossa assessora de etiqueta espacial. Viajar no espaço e tomar sua champanhota na volta orbital em meio ao colapso de tudo o que está ai, inclusive do clima, é de bom tom?
Tratamos desse assunto, da vida da Terra, com o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro e com o cosmólogo Luiz Alberto Oliveira, em Futuros da Terra, live no Festival do Conhecimento da UFRJ (abaixo) e olha ai o cenário se materializando na cara da sociedade global.
E que imagens essas do grupo de pessoas comuns flutuando e brincando alegremente na nave espacial, nessa ponte aérea para lugar nenhum!