Sobre a tão falada diversidade: incluir sem excluir – parte 1
Ainda com o crescente debate sobre mulheres na computação, mesmo nos ambientes restritos, observava que o perfil de quem sustentava a pauta era bem desenhado e não tinha qualquer diversidade: mulher branca, cisgênera, classe média alta e outros estereótipos.
Devido estudar sobre diversidade, esse tema sempre está na pauta do dia nas minhas conversas, seja com amigos, colegas pesquisadores, crush ou mesmo meu gato Pipoca (sim, eu converso com meu gato!). Além disso, esse tema perpassa pela minha história.
Comecei a estudar o assunto em computação em 2009 pelo clássico diversidade de gênero. Eu era uma estudante no curso de sistemas de informação em uma universidade federal, a turma era composta por maioria do gênero masculino. Eu lembro que no primeiro congresso da área que participei, as pessoas sempre falavam comigo sobre o quanto achavam importante mais mulheres na computação (mesmo que eu não estivesse falando sobre isso, o que com o passar do tempo acabou me levando a pesquisar mais sobre o tema).
A questão é que quando as pessoas falavam de mulheres na TI, ainda que fosse um avanço na pauta da diversidade na área da computação, alguma coisa me incomodava muito e eu não sabia o que era. É óbvio que hoje eu sei: a predominância da cisgeneridade, branquitude e classe média alta na área.
Quando eu participei de um evento da Sociedade Brasileira de Computação (SBC) sobre mulheres na computação naqueles anos iniciais da graduação, meu desconforto era visível. Eu não me via naquele lugar, as mulheres e meninas sobre as quais elas falavam não era eu, nem de longe eu me encaixava no perfil daquelas estudantes. Mas aquelas pessoas não eram ruins, elas estavam fazendo um trabalho incrível para o avanço da pauta da diversidade de gênero na computação. Entretanto, ao tentar incluir um determinado grupo (o delas), elas não se preocuparam, naquele momento, com as demais identidades dentro do gênero feminino como as mulheres transgêneras, travestis, negras, indígenas e periféricas, por exemplo.
Com o passar dos anos, fui observando o crescente debate sobre mulheres na computação, mas mesmo nos debates restritos a mulheres, o perfil de quem sustentava a pauta era bem desenhado e não tinha qualquer diversidade: mulher branca, cisgênera, classe média alta e outros estereótipos.
O mais engraçado foi que, quanto mais a pauta de mulheres na computação se ampliava nos espaços de TI no Brasil, mais eu me distanciava dela. O sentimento gerado em mim foi: eu não era homem para estar na computação e nem aquele perfil aceitável de mulher. Ou seja, ao invés de me sentir incluída com a pauta da diversidade, eu me sentia excluída.
Não demorou muito para eu perceber que o problema não era eu. Logo percebi que a forma como se emprega o termo da diversidade, a preguiça de olhar a sociedade para além do seu próprio umbigo, o racismo, a transfobia e nosso atraso em realizar debates importantíssimos dentro da área da computação, entre outros fatores, nos levaram a um equívoco persistente ainda hoje (com proporções diferentes): o de supor que a pauta da diversidade na computação está ou foi superada com a inserção de espaços para mulheres.
Recentemente eu escutei de um determinado revisor de um artigo que o mesmo não compreendia o que a pauta transgênera teria a contribuir com a computação. Ele não estava querendo uma resposta. Ele estava desmerecendo a questão. O revisor exaltava a questão das mulheres na computação e afirmava que era simpático à causa, enxergava que ela era importantíssima e havia ganhado muito espaço.
Eu poderia ter ficado só com muito ódio no coração desse revisor (e fiquei), mas infelizmente tive que lembrar que até mesmo muitas colegas que estão à frente de espaços de inclusão de mais mulheres na computação possuem ações e narrativas que não ajudam a atrair a diversidade de mulheres que temos. Elas também contribuem para a ideia de pluralidade, o “es” de mulheres, signifique apenas a quantidade, e não a diversidade que existe dentro da categoria “mulher”. Na real, por vezes alguns desses espaços são extremamente transfóbicos e racistas.
Foi pensando nisso que voltei alguns passos e me questionei novamente o significado da diversidade. Segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, a origem da palavra “diversidade” vem do latim diversitas, atis, e significa “variedade, alteração, mudança, diferença”. Mas, o que poderia ser a princípio uma conceituação simples é, na realidade, uma tarefa complexa. Isso porque o conceito de diversidade traz consigo outras palavras que são igualmente complexas em sua definição, como por exemplo a palavra “diferença”.
Há um entendimento sobre diversidade articulado com o conceito de diferença. Nessa perspectiva, a diversidade seria um conjunto de diferentes identidades e/ou categorias. Contudo, a diferença é um termo que possui extensos estudos sobre sua definição e compreensão, o que colabora para aumentar a complexidade na definição do termo diversidade.
As pesquisadoras Hearn e Louvrier afirmam que é possível identificar duas principais abordagens para o termo diferença: a visão essencialista e a visão construcionista. Para as autoras, a “perspectiva essencialista vê as diferenças como características internas dos indivíduos”, ou seja, as diferenças são categorias fixas que decorrem, principalmente, da biologia. Já na perspectiva construcionista, as diferenças “são construídas na interação com os outros e com o ambiente social mais amplo”, sendo atravessadas por relações de poder.
Tendo em vista a relação entre diversidade e diferença, podemos supor que as implicações que norteiam o termo diferença também podem ser assumidas para pensar a diversidade.
Pesquisadoras como Boukreris e Ouahmiche tratam da diversidade de forma ampla, entendendo que sua definição assume significados variados. Para as autoras, apesar das múltiplas possibilidades que a diversidade assume, de forma geral ela está relacionada à noção de variedade, diferença e oposição. Um determinado pesquisador chamado Nagappan também acredita que a diversidade está condicionada à variedade e à diferença e que, para um grupo ser considerado diverso, ele precisa conter membros de todos os grupos sociais em número aproximadamente igual. Mas eu já vi que essa discussão será longa, e esse foi só o início dela… Vamos continuar na próxima coluna?
Referências citadas
Boukreris, L.; Ouahmiche, G. “Diversity: Concept and issues”, International Journal of Language and Linguistics, vol. 5–1, 2017, pp. 15.
Hearn, J.; Louvrier, J. “Theories of difference, diversity, and intersectionality”, The Oxford handbook of diversity in organizations, 2015, pp. 62.
Ferreira, A. B. D. H. (2004). Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. In Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa (pp. 2012-2012).
Nagappan, M.; Zimmermann, T.; Bird, C. “Diversity in software engineering research”. In: Proceedings of the 2013 9th Joint Meeting on Foundations of Software Engineering, 2013, pp. 466–476.