O ato sexual interrompido do scrolling
Estamos em uma caixa de skinner, passando infinitamente os dedos na tela em nossa solitária busca por momentos de relaxamento.
Os dedos passeavam de forma descarada pelos pequenos fótons de luz emitidos na tela. A cada passada, um impulso de vida se esvaia em troca de pequenos falsos laços de prazer. Poderia ser o começo de um conto erótico perdido nas inúmeras conversas no chat da uol dos anos noventa, com requintes de pornochanchada de fácil assimilação, mas não é sobre isso. Começo essa coluna falando do movimento de scrolling: Vertical Scrolling, Horizontal Scrolling, Wrapped Scrolling, tanto faz, qualquer movimento destes. Estes movimentos dos dedos se parecem com o que chamávamos de zapping na época em que as TVs prevaleciam, porém mais perverso e sofisticado. Podemos começar essa conversa nada gostosa falando sobre Skinner.
Frederic Skinner foi um psicólogo do século passado que criou um mecanismo que ficou conhecido como “caixa de Skinner”. O pesquisador não acreditava em livre arbítrio, ele considerava que a resposta humana a estímulos positivos ou negativos era o que conduziria de nossas ações. Sua teoria girava em torno da ideia de que se uma pessoa tivesse uma experiência ruim com uma ação que cometeu, existiria uma probabilidade muito grande de que ela não cometeria tal ação novamente. Buscando comprovar essa hipótese, ele criou um experimento em que colocava uma cobaia dentro de uma caixa, e dependendo de sua ação ela recebia ou não um sinal sonoro ou pequenos choques, fazendo com que as ações fossem moduladas conforme o tempo fosse passando. Skinner foi a base de uma abordagem de psicologia chamada de “comportamental”, também relacionada com o que se chama de “behaviorismo”, que afirma ser possível mudar um comportamento através de práticas de reforço.
Ok, e o que isso tem a ver com a ação de passar os dedos infinitamente pelo celular? Bom, estamos lá sozinhes diante de uma tela cheia de estímulos, um post nos carrega a outro, curtimos posts do feed e outros não, quando curtimos aparecem outras coisas parecidas em nosso feed, etc. Estamos em uma caixa de skinner, passando infinitamente os dedos na tela em nossa solitária busca por momentos de relaxamento. Antes de escrever, eu estava lá fazendo exatamente isso que vim comentar, diante de conversas mal faladas e desejos inibidos do mal estar da civilização. Percebi que os dedos não eram conduzidos para onde eu queria – um carinho um toque. Pensei comigo, será que só tem Skinner nesse ato? Podemos ir mais além… podemos falar de potência de vida e o scrolling.
Vamos pensar aqui qual é o custo e o ato de não se tocar, de estabelecer um trauma em se tocar? O que acontece nesse mundo que o ato de se tocar, de se masturbar, de entender o próprio corpo como um fluxo de vida, é proibitivo, ou muitas vezes incentivado de forma violenta e vazia. Para muitas pessoas é traumático ou até inexistente. Pode parecer estranho o que vou dizer agora, mas estão roubando nossa potência erótica. Scrolling, o toque do passar de telas, o infinito falso prazer de tocar e ver, é como um coito que nunca acontece.
É categórico o desviar do nosso fluxo de vida para o ato de consumo, mas a manipulação do devir de vida é mais perverso quando o que se desvia de nós é o nosso poder de ter prazer. A tecnocracia conduz os atos para que sejam assépticos como no livro Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, em que a pulsão sexual é puramente funcional e movimenta o processo produtivo. O sexo em devaneio, o toque como descrito por Chico Buarque em “samba e amor”, essa coisa gostosa de amar ou até mesmo de se amar, tudo isso é cooptado e transformado em símbolo de poder. Trocamos nosso toque por pequenos ato-falhos de prazer nos stories e feeds.
A longo prazo, ficamos com raiva e com um apego excepcional a falsa moral cristã. Quando pessoas desfrutam plenamente de seu prazer, a suposta existência de pecado gera inveja, distúrbios, desvios de caráter e ódio, que estão refletidos em um processo reacionário nas redes através de julgamentos infundados e punitivos em comentários, vídeos e posts de youtubers, etc. Não conhecer o corpo, além de nos fazer precisar de anos de análise, também pode gerar intolerância modos de vida mais alheios a padrões aprisionados de uma sociedade machista, fundamentalista, racista e tecnocrática, como é o ocidente em sua maioria.
Pois bem beatas, beates e beatos. Quando você passa seus dedos pela tela, você está alimentando o prazer dos algoritmos, está sendo usado de graça, para satisfazer o prazer de pessoas que você nem conhece que está ficando rica em troca de nosso gozo. Precisamos realmente tomar posse de nosso livre arbítrio e o desatiná-lo dessa ideia católica de pecado. E também, como força de resistência, nos apartar dessa cruel lógica necrotécnica que nos rouba a força vital, conduzindo nosso prazer para fins obtusos de lucro. Temos que tomar nosso corpo, nosso carinho de volta e sair dessa loucura de ato infinito de passar os dedos sem carinho achando que uma tela tem o afeto que nós precisamos. Desliga isso e vai, como recomenda Chico, “fazer samba e amor até mais tarde…” com você ou com quem quiser. Afinal, A nossa potência erótica assumida é um ato de resistência!
Esse texto teve como revisora minha grande amiga artista cientista: Clarissa Reche