Nós, tecnologistas ninjas
Ao longo dos meus 16 anos na área da computação, contando educação formal na área e experiência de trabalho, eu nunca fui tratada como uma tecnologista, a não ser agora, tão recentemente.
Escrever em uma coluna de Tecnologista para mim é um grande desafio. Lógico, antes, sem sombra de dúvida, é uma satisfação enorme.
Isso porque ao longo dos meus 16 anos na área da computação, contando educação formal na área e experiência de trabalho, eu nunca fui tratada como uma tecnologista, a não ser agora, tão recentemente.
Tanto não fui tratada que eu mesma passei a me questionar se realmente eu era uma. Eu pensava, olhando o prisma dos outros: Na graduação metade do meu envolvimento na Universidade era lutando e questionando por uma educação de qualidade para todes, questionando o sistema de acesso à universidade, o machismo e racismo dentro da mesma e sobretudo nos cursos das exatas em que eu estava inserida.
Tanto foi que o tema do meu TCC foi sobre resistência das mulheres servidoras federais da Universidade aos Sistemas de Informação.
Minha saída automática da Universidade direto para USP para um mestrado em Inteligência Computacional não fez eu me sentir mais tecnologista. Eu queria estudar sobre formas de melhoria de um sistema desenvolvido pelo meu orientador para ajudar a diagnosticar doenças cardíacas… Pensando bem, se eu tivesse continuado era possível que um capítulo da minha dissertação fosse falando sobre a importância do SUS e outro falando da importância da computação servir a sociedade, principalmente aqueles que têm menos poder aquisitivo.
Desisti do mestrado.
Não pelos motivos que vocês leitores possam estar pensando. Eu desisti porque me apavorei quando ele disse que eu teria que programar. Desisti quando me vi mais envolvida nos problemas políticos que a Universidade estava passando naquele momento sobre o crime ambiental cometido no pólo da USP na Zona Leste, envolvida na ocupação de diretoria, pensando em como fazer a sociedade abraçar a luta por aquela escola que foi instalada na zona leste por um propósito muito lindo e necessário. Desisti porque acreditei que não era tecnologista.
Óbvio que tô deixando de contar um caminhão de coisas sobre essa época da EACH/USP. Mas vou focar em outras coisas.
Voltei para o mestrado um ano depois. Na mesma USP para um programa de Mudança Social e Participação Política, para estudar políticas públicas para pessoas travestis e transexuais. Coincidentemente nessa mesma época consegui meu primeiro emprego formal na área da computação, em uma grande multinacional.
O mais engraçado é que agora eu estava num programa de mestrado mais próximo das ciências sociais e as pessoas me tratavam e me olham como uma pessoa das exatas, como uma tecnologista… E o pior de tudo é que as soluções ou a forma de pensar, analisar um problemas e possíveis soluções, revelava um pensamento computacional em mim, um raciocínio lógico, como se eu estivesse escrevendo um algoritmo, de tal forma que nem eu mesma sabia que tinha.
Eu lembro que na minha defesa da dissertação, meu orientador, ao me elogiar, ressaltou a forma como eu sistematizava as coisas, resolvia os problemas e pensava em soluções… o que ele associou a um pensamento computacional que supostamente eu tinha, segundo ele, dentro de mim e eu atribuia ao fato de eu ser capricorniana.
Coincidência ou não, mas semelhante na graduação, três meses depois de ter defendido a dissertação, lá estava eu matriculada no Doutorado na PUCRS, e pasmem, em Ciência da Computação.
Eu queria ter dito para mim mesma: sim, eu sou uma tecnologista. Mas quando olhei para a minha pesquisa “Gestão da Diversidade Étnico-Racial em Times de Desenvolvimento de Software”, eu parei no “gestão da diversidade”, e disse a mim mesma que eu era um fracasso como tecnologista, uma derrota… Não tinha solução, eu não era aceita nem na área da computação, respeitada melhor dizendo, e nem na área das sociais… E de onde eu sou a fim?
Eu dou um salto no tempo para escrever para vocês que eu sou uma tecnologista, sim. Hoje eu sei disso.
Em um trabalho recente com a PretaLab, eu observei o quanto eu sei de diversas coisas que insisto em baixar cursos básicos para fazer… Como se eu dissesse pra mim sempre que eu ainda não consegui avançar.
Que medo é esse de avançar?
Eu sou tecnologista.
Eu sou uma tecnologista que reflete sobre números e processos. Reflito sobre os processos dentro de um time que leva desenvolvedores de software a darem o melhor de si, ou se bloquearem ao ponto de pedir demissão da empresa. Eu sou uma tecnologista que vai escrever sobre o outro lado da tecnologia, tão necessário e importante quanto o que as minhas colegas e amigas iram escrever em suas colunas.
Então esse artigo inicial é uma apresentação e um convite. Um convite a você leitor refletir comigo a partir da minha jornada no mundo da computação, da minha vivência como analista de infraestrutura, suporte, desenvolvedora front-end, desenvolvedora wordpress (sim desenvolvedora, deixem de preconceito com o wordpress hehe).
É um convite para analisarmos trajetórias, barreiras, gestão da diversidade, o interesse das empresas no assunto, as contradições, as iniciativas maravilhosas que estamos presenciando de organizações para incentivar mulheres, pessoas transgêneras, pessoas negras na área da computação… E tudo isso em forma de desabafo, em forma de poesia, livre… bem livre… tal como a poesia tem que ser, tal como a ciência tem que ser, tal como a computação tem que ser… Tal como o ser humano deveria ser: livre, sem preconceitos, cheio de críticas e pensamentos reflexivos para fazer a nossa sociedade um lugar melhor, senão para nós, mas para aqueles que virão após.
Vem comigo?