Foram 20 anos de negociações para que a União Européia (UE) e o Mercosul chegassem a um acordo para reduzir tarifas progressivamente, expandindo suas relações comerciais. Com a saída do Reino Unido da UE e a suspensão da Venezuela do Mercosul, 27 países europeus estão envolvidos nesse tratado histórico com Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.

Foi difícil superar as tradições de protecionismo agrícola, dos europeus, e industrial, dos sul-americanos. Acordos entre blocos de países provocam impactos de diversos tipos nas suas economias, estimulando a concorrência pela competitividade, favorecendo, ou não, o desenvolvimento de cadeias produtivas em cada nação e afetando diversos interesses.

No geral, espera-se que tais acordos promovam o desenvolvimento econômico e melhorem as condições de vida das pessoas. Mesmo sendo especificamente comerciais, eles produzem efeitos sistêmicos e favorecem o turismo, as trocas culturais e a aproximação entre os povos. Têm potencial para contribuir com a paz e a civilização.

O Acordo UE-Mercosul até viria em boa hora, do ponto de vista de fazer um contraponto ao clima de guerra comercial que se instaurou entre a China e os Estados Unidos, sob Donald Trump. No entanto, a sua ratificação pelos parlamentos de alguns países europeus está praticamente inviabilizada pelo fator Bolsonaro, dada a repulsa da opinião pública à degenerescência civilizatória que assola o Brasil, com ameaças à democracia, desrespeito aos direitos humanos e às minorias, negligência sanitária e explosão do desmatamento e das queimadas.

Não há precedente de fracasso na consolidação de acordos comerciais similares por conta de retrocessos civilizatórios. No caso, não se trata de um acordo entre anjos e outros países envolvidos também detém passivos notórios em algum desses aspectos. Mas o pacote Bolsonaro é chocante, insuperável e vem apimentado por insultos diplomáticos, de toda sorte, praticados por ele, seus filhos e seu chanceler. O sentimento que prevalece em vários países (e aqui também) é que a oportunidade de crescimento econômico, para o Brasil, resultaria em mais violência, epidemia, arbitrariedade e devastação, em detrimento geral.

Meio Ambiente

O documento constitutivo do Acordo UE-Mercosul que foi publicado inclui um capítulo extenso chamado “Comércio e Desenvolvimento Sustentável”, com princípios e propósitos relevantes, porém genéricos, sobre meio ambiente, transparência e direitos trabalhistas. Embora eles possam ser invocados pelas partes por integrarem o texto oficial do tratado, não há previsão de sanções ou consequências efetivas em caso de descumprimento. Por exemplo, os signatários comprometem-se a melhorar suas leis de proteção ambiental, o que deveria exigir – mas não ocorre – uma adequação imediata do Brasil diante da “boiada” de desregulamentações conduzida pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em plena pandemia.

Se o Acordo UE-Mercosul for submetido à ratificação agora, como se prevê, deverá ser rejeitado pelos parlamentos da Áustria, Bélgica, Holanda, França, Irlanda e Luxemburgo. A Alemanha, que vinha sendo sua grande promotora, mudou de posição na semana passada. “Temos sérias dúvidas de que o acordo possa ser aplicado conforme planejado, quando vemos a situação na Amazônia”, afirmou o porta-voz da chanceler Angela Merkel, Stephan Seibert. Adiar a ratificação, até que surjam sinais concretos de reversão no sinistro cenário político brasileiro, talvez fosse a opção mais prudente para não se perder o saldo de 20 anos de negociação.

O constrangimento que está sendo causado pelo Brasil, nesse momento decisivo de ratificação, mostra que, em tempos de pandemia e de aquecimento global, não fazem mais sentido acordos comerciais que prometem crescimento econômico imediato, mas que não disponham de instrumentos para garantir a saúde do planeta depois. Vale a pena se discutir, então, os termos de uma cláusula adicional de salvaguarda civilizatória, que possa resgatar o Acordo UE-Mercosul e criar um precedente positivo para situações similares.

Entendimentos comerciais multilaterais não podem mais ser “outra coisa” que os tratados internacionais sobre direitos humanos e trabalhistas, minorias étnicas, meio ambiente e mudanças climáticas. O citado capítulo do Acordo com a UE deve comprometer os seus signatários com a melhora de um conjunto de indicadores específicos sobre esses temas, concomitante ao crescimento da sua atividade comercial. Deve prever, entre outras sanções, a suspensão do acesso às condições tarifárias facilitadas para países que caminhem em direções opostas.

A OMC, Organização Mundial do Comércio, poderia estabelecer parâmetros mínimos de transparência para os acordos entre blocos comerciais, customizáveis segundo contextos específicos. Os seus signatários deveriam ser instados a apresentar relatórios anuais de progresso, passíveis de serem avaliados por peritos independentes. É difícil imaginar que recomendações de âmbito multilateral produzam consequências diretas para acordos entre partes determinadas, mas podem evitar que a situação de um um só país prejudique os interesses de todos, além de criar um ambiente internacional que proteja, em situações extremas, valores dos demais envolvidos.

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