Quando veremos a gravação?
O ministro do STF Celso de Mello está tomando providências rápidas na condução do inquérito que apura a denúncia do ex-ministro da Justiça contra Jair Bolsonaro. O principal elemento de prova é a gravação de uma reunião ministerial em que o presidente teria ameaçado Moro caso se recusasse a substituir o diretor geral da PF.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello está tomando providências rápidas na condução do inquérito que apura a denúncia do ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, de tentativas do presidente Jair Bolsonaro de interferir em investigações e em funções diretivas da Polícia Federal (PF). Depoimentos de delegados, ministros e de uma deputada federal serão colhidos no decorrer da semana e o denunciante já depôs e apresentou suas provas. O principal elemento de prova é a gravação de uma reunião ministerial em que o presidente teria ameaçado Moro de demissão caso se recusasse a substituir o diretor geral e superintendentes da PF.
O governo resistiu à entrega da gravação. Não teve como negar sua existência pois o próprio presidente a havia mencionado em uma live nas redes sociais. Primeiro a Advocacia-Geral da União (AGU) alegou, na tentativa de não entregá-la, que a reunião era reservada e que haviam sido tratados assuntos sigilosos de Estado, depois se propôs a enviar ao STF apenas o trecho da gravação em que o presidente ameaça Moro e, afinal, entregou o inteiro teor, indagando sobre quem manipularia a prova no STF para fins de responsabilização em caso de vazamento.
Referências às passagens mais quentes da gravação já vazaram na imprensa antes mesmo do seu encaminhamento formal ao STF. Por exemplo, ao ameaçar Moro, o presidente teria afirmado que pretende intervir com nomeações não só na PF, mas em todos os ministérios, inclusive no da Justiça.
Claro que os advogados públicos do presidente vão sofismar, alegando que a gravação não pode ser considerada como prova válida, que a reunião não foi pública, que algum eventual excesso verbal momentâneo do presidente não pode ser qualificado como crime. Mas o essencial é a sua intenção de violar o caráter técnico e profissional de atuação da Polícia Federal para interferir em inquéritos que envolvem sua família.
Também vazaram outras informações de deixar o cabelo em pé, como a intervenção do ministro da (má) Educação, Abraham Weintraub, que teria afirmado que os ministros do STF “são 11 filhos da puta”. Além da falta de educação e de cabimento de envolver as mães dos ministros numa divergência política, que bordel é esse em que o ministro de uma área técnica encontra espaço para julgar sumariamente os integrantes de outro Poder?
Os sofistas dirão que não vale considerar a declaração do Weintraub, porque somente as referências a Moro e à PF interessam à investigação. Mas pergunto se, tendo os ministros do STF e o Procurador-Geral da República (PGR) tomado conhecimento dessa calúnia, podem fazer de conta que nada aconteceu. Dizem que o presidente ri quando Weintraub diz o que disse, em vez de – aí sim – demiti-lo sumariamente.
É longa a série de impropérios ministeriais que rolou na tal reunião. O chanceler Ernesto Araújo defendeu sua tese do “comunavírus”, que acusa a China, principal parceira comercial do Brasil, de produzir e disseminar intencionalmente a pandemia em curso, com um objetivo ideológico de dominação. Ele acusa com base numa divagação doentia e não se acha na obrigação de apresentar qualquer prova, apesar da sua gravidade. Consta que, no encontro, o presidente concordou com a opinião delirante do ministro de Relações Exteriores.
Há também referências sobre um bate-boca entre ministros e muitas expressões de baixo calão, inclusive do presidente, em várias direções. Até dá para entender a preocupação da AGU em entregar a gravação ao STF. Noves fora os sofismas, ela tem potencial de autodestruição.
Celso de Mello autorizou Moro, a PGR e a AGU a assistirem o vídeo da reunião, uma única vez. Está cioso do sigilo do vídeo e, ao que parece, não pretende lhe dar publicidade de imediato. Mas, a menos que fosse constatada a adulteração da gravação, ela acabará sendo divulgada em algum momento, gerando consequências políticas e diplomáticas.
Também queremos! Se 10% do que estão dizendo sobre a gravação for verdade, temos todos o direito de saber, ao vivo e a cores, como se tomam decisões na mais alta esfera de governo. Eu espero, mesmo, que as imagens sejam liberadas o quanto antes, para que possamos superar o governo Bolsonaro o mais rápido possível.