A saída de Moro e a debácle de Bolsonaro
O que mais chama a atenção, porém, tanto na entrevista coletiva de demissão de Sérgio Moro, quanto na “réplica” de Bolsonaro é que ambos fizeram acusações graves, um ao outro, sobre fatos que são muito óbvios, mas que ganham ainda mais credibilidade ao saírem da boca de quem saíram.
Sobre o pedido de demissão do agora ex-ministro Sérgio Moro e as várias acusações por ele proferidas contra o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), em entrevista coletiva havida na manhã de sexta-feira (24/04), não é difícil entender o que se passa.
A carreira política de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados foi, toda ela, recheada de tretas. Sempre houve fortes indícios de que vendia voto, de que empregava funcionários fantasmas em seus gabinetes parlamentares, de que coletava “rachadinha”… As votações dele e dos filhos sempre foram conquistadas a partir da coação e coerção das milícias junto às comunidades que elas controlam (sobretudo em Rio das Pedras e Muzema, em Jacarepaguá, zona oeste do Rio de Janeiro), dentre vários outros indícios de crimes.
Enquanto ele era deputado federal – e ainda por cima do baixo clero – ninguém ligava, passava despercebido, até mesmo por conta de sua atuação parlamentar medíocre. Depois que ele se tornou presidente da República virou alvo. E quanto mais determinadas investigações avançam, mais ele fica acuado: o laranjal do PSL; os fantasminhas/rachadinhas de Flávio Bolsonaro; a indústria de fake-news/milícia digital/Gabinete do Ódio de Carlos Bolsonaro; a fábrica de dinheiro do Queiroz; os Micheques; o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes; o assassinato de Adriano da Nóbrega… Todas elas apontam para o mesmo endereço: Casa 58, do Condomínio Vivendas da Barra, na Av. Lúcio Costa, n° 3.100, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro-RJ. Morada da Família Bolsonaro.
Sérgio Moro, por sua vez, sempre foi um herói dos pés de barro. Constituiu sua imagem heróica a partir de seus controversos feitos na Lava-jato, impulsionados pela grande mídia. Mas, cedeu às tentações do poder ao deixar de ser juiz (injusto e parcial, diga-se) para ser ministro de alguém cujo histórico de sujeiras em Brasília e no Rio de Janeiro era notório. Ele sempre soube dos rolos de Bolsonaro e família, não lhe cabe, agora, alegar surpresa ou desconhecimento.
Os verdadeiros motivos da saída de Moro também não são novidade. Com (1°) a crise econômica se agudizando e (2°) a perda de popularidade de Bolsonaro se intensificando – muito em virtude de sua desastrosa forma de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus – não restou alternativa ao presidente a não ser compor com o tal “centrão” para (3°) assegurar uma base parlamentar capaz de impedir a eventual tramitação de um dos diversos pedidos de impeachment que se encontram sob a tutela de Rodrigo Maia (DEM-RJ). Desfez-se assim, de uma só vez, os dois pilares de seu discurso vitorioso: de que era (1) anti-corrupção e (2) anti-sistema, contra a “velha” política do toma lá, dá cá. Todo os novos contemplados com cargos no governo são parlamentares que foram ou ainda estão sendo investigados pela Lava-jato. Como o “inocente, puro e besta” Sérgio Moro iria conviver com seus novos “colegas de trabalho”, de quem já foi algoz? Pior ainda: como estes iriam conviver com Moro?
Sendo assim, a medida em que tais investigações avançam; que a crise econômica se agudiza; que a popularidade do presidente cai; e que ele recorre à distribuição de cargos para o centrão para sobreviver politicamente, se Moro fica, se torna ainda mais cúmplice. Porque conivente ele já vinha sendo, desde o dia em que aceitou integrar a equipe de governo. Sair agora, posando de indignado com a indevida interferência (mais uma) de Bolsonaro na direção-geral da Polícia Federal é apenas um ato de covardia, ou melhor, de oportunismo: é a deixa de que ele precisava para sair, sem que ficasse tão na cara que ele está mesmo é fugindo de um barco no qual a água está entrando há muito tempo.
O que mais chama a atenção, porém, tanto na entrevista coletiva de demissão de Sérgio Moro, quanto na “réplica” de Bolsonaro é que ambos fizeram acusações graves, um ao outro, sobre fatos que são muito óbvios, mas que ganham ainda mais credibilidade ao saírem da boca de quem saíram.
Moro dissera, de manhã, que Bolsonaro queria trocar o diretor-geral da PF para poder ter acesso a informações e a relatórios confidenciais de inteligência, com vistas a interferir em investigações policiais em curso (artifício do qual ele, Moro, enquanto juiz, usava e abusava). À tarde, Bolsonaro dissera que Moro teria concordado com a demissão de Valeixo, desde que esta ocorresse após a indicação dele para o STF.
Mais à noite, um Jornal Nacional para lá de tendencioso, pró-Moro (como sempre), apresentou o que seriam provas das acusações do ex-juiz: prints de tela de aplicativo de mensagens, de conversas havidas entre o ex-ministro e o presidente; e também com a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP). Justo Moro, que se aborrecia com as mensagens de Telegram vazadas e apresentadas ao mundo pelo jornal The Intercept, a dar conta de seus delitos funcionais e abusos judiciais, enquanto juiz federal.
Trata-se, portanto, de verdadeiras notícias-crime, a justificar a abertura de investigações em desfavor de ambos. E, no caso do presidente, a reforçar as duas dúzias de pedidos de impeachment já protocolados na Câmara dos Deputados. Se ambas as assertivas forem verdadeiras, estamos diante de dois pilantras, dois cretinos, dois canalhas da pior estirpe.
Mas, em verdade, absolutamente nada disso é novidade. O único fato que até hoje surpreende o mundo é que 57,8 milhões de brasileiros se fizeram de desentendidos e votaram nessa íngua, nessa pustema, nesse cancro. Bolsonaro, mero efeito colateral do antipetismo, é um psicopata. Moro é apenas o safadinho da história: aquele cara sorrateiro, oportunista, que fica na espreita de uma brecha que possa lhe permitir satisfazer às suas ambições pessoais. Tramou, usou a Lava-jato para fins persecutórios, trocou a toga pelo cargo de ministro depois de sua atuação como juiz ter sido decisiva para a eleição do ex-Chefe. Agora que a água do iminente naufrágio lhe bate na própria bunda, cai fora. Um serzinho repugnante, daqueles que, pelo poder, traem a própria conja (quer dizer, sombra). Deus que me perdoe e nos defenda.
Encerro com algo que sempre digo: desconfiemos sempre dos arautos da moralidade, vestais da honestidade, palmatórias do mundo, chicotes do povo. Ao final, sempre se revelam grandes hipócritas.