A Procuradoria-Geral da República determinou o arquivamento de seis notícias-crime protocoladas contra o Presidente da República. Consideradas conexas, apontou-se o mesmo fundamento. Formulei a primeira, recebida no dia 30 de março de 2020, e encaminhada à PGR pelo Ministro Relator Marco Aurélio Mello. As cinco outras tiveram o mesmo despacho, sendo que mais duas foram minhas.

Sob o argumento de que não cabe outra medida, o chefe do Ministério Público Federal deu ciência ao Ministro Marco Aurélio Mello e determinou o encaminhamento das notícias-crime ao repositório da Egrégia Corte. Mas será que o julgamento acabou?

De saída, os argumentos da atipicidade das condutas do Presidente da República não têm sustentação. A PGR nega que exista formalmente uma ordem de isolamento horizontal no Brasil e a prática do crime previsto no artigo 268 do Código Penal, “infringir determinação do poder público, destinada a impedir a propagação de doença contagiosa”, o coronavírus (COVID-19), estaria condicionada a um exame médico. Sem aprofundar o descabimento de tal interpretação, basta citar o Decreto 10282, assinado pelo Presidente da República, que entrou em vigor em 20 de março de 2020, na data da sua publicação, elencando quais são os serviços públicos e as atividades essenciais que não podem parar no país.

Portanto, o Decreto objetiva resguardar o exercício e o funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais, pois todas as demais pessoas devem ficar em isolamento social visando sua proteção e da coletividade. Alguém na rua sem que esteja fazendo o estritamente necessário, como comprar alimentos e remédios, deve ser alertado pela polícia e pode até ser preso, como vem acontecendo, em raríssimas exceções, pois a população está consciente de que o distanciamento social está baseado em evidências científicas e tem a finalidade de proteger nossas vidas.

Sem qualquer conexão com a atual realidade mundial, a Procuradoria-Geral da República faz pouco caso da inteligência nacional, principalmente dos Ministros da Suprema Corte, afirmando que, quando o chefe da nação cumprimentou e abraçou manifestantes em evento público (15/03/2020), esses estavam garantidos pelo “direito de reunião” previsto no artigo 5º, inciso XVI, da Constituição Federal. Quer fazer crer que aglomerações de manifestações políticas em locais abertos são atividades essenciais permitidas, mesmo quando o Congresso Nacional declara a “Ocorrência de Estado de Calamidade Pública”, através do Decreto Legislativo nº 6, que também entrou em vigor no dia 20 de março de 2020, na data de sua publicação.

Por fim, como o Presidente da República afirma que o resultado de seu exame deu negativo para o coronavírus, as três notícias-crime apresentam o argumento teórico de que o mesmo poderia ter praticado o crime do artigo 267 do Código Penal, caso o exame acusasse positivo, podendo ser até crime hediondo, em caso de morte, com pena de 30 anos de reclusão. Em verdadeiro malabarismo jurídico, o Procurador-Geral da República afirmou que o tipo do artigo 267 do Código Penal seria adequado somente à primeira pessoa contagiada no País, a qual é impossível identificar.

No dia 15 de março de 2020, o Presidente da República deveria estar em quarentena, ao invés de ir à manifestação. Ele acabara de chegar dos Estados Unidos, local contaminado pelo coronavírus, assim definido pelo artigo 5º da Lei 13979, por ele mesmo sancionada em 6 de fevereiro de 2020, que entrou em vigor no dia seguinte, 37 dias antes da manifestação. Ressalta-se que 23 pessoas de sua comitiva foram comprovadamente contagiadas.

O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal estabelece, no artigo 5º, que “compete ao Plenário do STF processar e julgar originariamente: I – nos crimes comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os Deputados e Senadores, os Ministros de Estado, os seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República, bem como apreciar pedidos de arquivamento por atipicidade de conduta; (Redação dada pela Emenda Regimental n. 44, de 2 de junho de 2011)”.

A determinação da Procuradoria-Geral da República ao Ministro Marco Aurélio Mello para encaminhar ao repositório do STF as notícias-crime foi baseada na atipicidade das condutas. Portanto, a competência para determinar o arquivamento das notícias-crime não é da PGR, mas sim do Plenário do Supremo Tribunal Federal.