A tênue estabilidade da tutela militar no Planalto
No mesmo instante em que 51% (contra 40%) dos brasileiros dizem que Bolsonaro mais atrapalha do que ajuda no combate à epidemia do coronavírus, 59% (contra 37%) entendem que ele não deve renunciar, segundo o DataFolha. Ainda há uma margem de tolerância com as cagadas do presidente, sobretudo entre os homens com mais idade.
No mesmo instante em que 51% (contra 40%) dos brasileiros dizem que Bolsonaro mais atrapalha do que ajuda no combate à epidemia do coronavírus, 59% (contra 37%) entendem que ele não deve renunciar, segundo o DataFolha. Ainda há uma margem de tolerância com as cagadas do presidente, sobretudo entre os homens com mais idade.
Numa aparente contradição, 33% das pessoas ainda avaliam o governo como ótimo e bom, enquanto 36% o consideram ruim ou péssimo. Só que para 44%, Bolsonaro não tem mais condições de governar. Parece que há um significativo contingente de brasileiros, com um papel de fiel da balança, que acha que Bolsonaro mais atrapalha que ajuda e que ele perdeu as condições de governar, embora avalie seu governo como regular ou bom e acha, talvez por isso, que ele não deve renunciar.
Claro que essa é uma avaliação de momento e que o agravamento da crise, assim como a sua superação, podem alterar esse quadro. Mas parece que, apesar de tudo, Bolsonaro mantém um significativo e resiliente núcleo de apoio, e outro grupo um pouco maior quer vê-lo pelas costas. O fiel da balança, porém, prefere manter o governo, de preferência sem a intervenção do presidente, e teme que uma eventual renúncia sua, numa hora crucial da crise, possa levar o país a uma situação ainda pior.
No centro do poder, a situação é ainda mais confusa e instável. Parece que o general Villas Bôas convenceu momentaneamente o presidente a se esconder dos holofotes para se preservar. Mas ele e os filhos estão indóceis, detonando publicamente o programa de assistência emergencial aos informais e a política de isolamento bancada pelo ministro da Saúde e pela imensa maioria dos governadores. Bolsonaro boicota seu próprio governo.
O presidente ficou irritado com a popularidade alcançada pelo ministro da Saúde, Henrique Mandetta, cuja atuação na crise alcança grande visibilidade e boa avaliação. Essa situação já ocorre com outros ministros melhor avaliados que o presidente. Para dar aparência de unidade ao governo, as entrevistas coletivas diárias sobre a evolução da epidemia passaram a ocorrer no Palácio do Planalto, sob a coordenação de ministros e sem o presidente, uma espécie de mula sem cabeça.
No recesso do maestro desorientado, o general Walter Souza Braga Netto, ministro-chefe da Casa Civil, assumiu a coordenação dos demais ministérios e, mesmo não tendo mandato ou prestígio equivalente ao de outros ministros, é quem exerce o poder de fato neste momento, supostamente com o respaldo dos militares. Vamos ver por quanto tempo Bolsonaro vai suportar esse regime de tutela.
Outros ministros importantes, como os da Justiça e da Economia, estão ativos neste governo provisório, que também conta com o apoio dos governadores e dos dirigentes do Congresso. Mas é tênue a sua estabilidade. Enquanto detona publicamente o ministro da Saúde (em vez de demiti-lo…), Bolsonaro articula, no Palácio da Alvorada, uma nova equipe para a Saúde sob a batuta do ex-ministro Osmar Terra, que se opõe à política de isolamento recomendada no mundo todo.
Parece que Bolsonaro não digere o próprio recesso branco e reúne forças entre empresários, evangélicos, milicianos e suas hostes digitais para retornar ao centro do poder assim que as crises sanitária e econômica chegarem ao pico. Ao contrário do que parece e abaixo da linha de visibilidade, dois polos de um governo fragmentado e confuso preparam um “acerto” de contas entre si.
Vamos pondo as barbas de molho, porque essa “briga de branco” tem tudo para “sobrar” para nós. Mundialmente queimado e institucionalmente desmoralizado, Bolsonaro ainda conta com o apoio daquele segmento minoritário, mas resiliente para tentar uma aventura autoritária quando possível. Também dispõe do sistema fake familiar de operar nas redes sociais para distorcer fatos e propor narrativas que lhe interessem no desdobramento da crise.
Mas vamos também trabalhando a moral da tropa desde já, com os olhos postos no pós isolamento, quando voltaremos à rua, ao trabalho e às reuniões presenciais e poderemos engrossar a pressão da sociedade sobre o poder bipolar.