Pandemia, apocalipse e superação
A pandemia do coronavírus se espalha pelo mundo e deve matar mais de um milhão. Espera-se que esta não seja tão letal quanto outras pragas de outros tempos, mas já é a maior e mais impactante crise sanitária do século e deixará muitas sequelas.
A pandemia do coronavírus se espalha pelo mundo e deve matar mais de um milhão. Quase um terço da população do mundo ou cerca de 2,6 bilhões de pessoas sofrem restrições de circulação. Espera-se que esta não seja tão letal quanto outras pragas de outros tempos, mas já é a maior e mais impactante crise sanitária do século e deixará muitas sequelas.
O sofrimento das vítimas, a dor dos que perdem entes queridos e a situação de isolamento em que estão tantas pessoas leva-nos a reflexões mais profundas sobre este mundo e a vida que nele levamos.
Superpopuloso, conectado e exaurido dos seus recursos naturais, o planeta agora se revela muito mais vulnerável do que imaginávamos.
Para os que somos culturalmente forjados pela tradição cristã, fica difícil resistir à associação dessa pandemia com as sete pragas do apocalipse de que nos fala o apóstolo João. Sua obra é a de um vidente que descreve um tempo sombrio, como o nosso.
Para muita gente, a ideia de apocalipse confunde-se com a de fim do mundo. João usa a expressão “fim dos tempos”, que eu prefiro traduzir livremente para “fim desses tempos”. Até porque o sentido original – do grego – da palavra apocalipse é o de “revelação”, e não de “fim”.
Escreve João, do capítulo 20 para o 21 do Livro do Apocalipse: “vi também as almas daqueles que foram decapitados por causa do testemunho de Jesus e da palavra de Deus, (…) eles recuperaram a vida e reinaram com Cristo mil anos. Vi então um novo céu e uma nova terra; porque o primeiro céu e a primeira terra tinham desaparecido e o mar já não existe. E vi descer do céu, de junto de Deus, a Cidade Santa, a nova Jerusalém (…): Esta é a morada de Deus com os homens. Ele habitará com eles; eles serão seu povo, e ele será o Deus-com-eles. Ele enxugará toda lágrima de seus olhos, e não haverá mais morte, nem luto, nem choro, nem dor, pois o mundo antigo já passou. Aquele que estava sentado no trono disse: “Eu faço novas todas as coisas! (…)”.
Não há fundamento bíblico para a ideia de “fim”. E é, mesmo, bem provável que a vida seja resiliente o suficiente para de, alguma forma, resistir a um conflito nuclear ou a um longo período de aquecimento global. Não há motivo para descrermos da capacidade humana para enfrentar essa pandemia, com a inteligência necessária para poupar vidas e aprender lições.
E o que nos espera? Virão mil anos de paz? Parece que ainda não. Já se foram outras seis pragas? Acho que já se apresentaram bem mais do que quatro cavaleiros do apocalipse, mais ainda está por ser travada a batalha”final” entre o bem e o mal.
Apesar das inúmeras dúvidas que tenhamos sobre o dia seguinte da epidemia ou do isolamento, uma coisa parece certa: o Brasil tem um desencontro marcado com Jair Messias Bolsonaro, o “mito” derretido pelo coronavírus, que já o pegou bem debilitado pela infindável série de erros cometidos por ele e por seu governo.
A solidariedade que emana majoritária dos corações nos períodos de crise é a matéria-prima para irmos construindo, ainda sob o medo e o isolamento, os laços que se traduzirão, no momento seguinte, num esforço coletivo e decisivo para nos libertar de um erro cometido por 57 milhões de brasileiros que elegeram um desqualificado para presidente.
Os generais que o sustentam ainda tentam transformar o espantalho em boneco de ventríloquo, mas logo se convencerão de que o ator não se adequa ao personagem.
Os panelaços soam como trombetas que anunciam a batalha – que eu não direi que será “final” – e os novos tempos, em que não faltará tempo para depurarmos todo esse mal. É hora de preparar o terreno.
O Brasil vai precisar mais que o fim do isolamento e a retomada da economia para superar essa crise. Temos que catalisar as nossas melhores energias em um projeto de país que olhe para a frente – e não para trás – e que una, em vez de dividir. E não será possível o Brasil decolar com um presidente afogado em ódio e exaurido pelas brigas que ele próprio comprou.
Além de Bolsonaro, o Brasil precisa voltar a se pensar grande, falar alto e olhar adiante. Está carente de uma estratégia que ataque os seus principais problemas – de frente – com um horizonte de bem viver – de fundo – que agregue mais e mais gente. Os projetos que até aqui houve, não existem mais.