Jaguncismo de novo tipo como método de intimidação política
Embora sejam minoria, em todos os Estados, a “banda podre” das corporações militares. São praças e oficiais de há muito já cooptados pelo crime organizado, pelas facções criminosas e milícias.
Tem chamado a atenção, nas últimas semanas, uma série de protestos e manifestações de policiais militares, sobretudo em estados da região nordeste do país. O episódio mais bizarro aconteceu na última quarta-feira, 19/02, em que o senador licenciado Cid Gomes (PDT-CE) foi alvejado com tiros, ao tentar ingressar, com uma retroescavadeira, em um quartel da PM tomado por policiais grevistas no município de Sobral-CE.
Não pretendo adentrar no mérito quanto à truculência do senador. Só diria que foi, sem dúvida, uma atitude irresponsável, temerária, que colocou em risco a vida de dezenas de pessoas, além da sua própria. Mas, analisemos a questão por outro prisma.
Sob o pretexto de estarem exercendo o direito legítimo de reivindicar melhorias salariais e em suas condições de trabalho, grupos de policiais mascarados têm praticado um verdadeiro banditismo de farda: promovem paralisações ilegais (o art. 142, IV, da Constituição Federal proíbe, aos militares, a sindicalização e a greve), ameaçam comerciantes exigindo o fechamento de seus estabelecimentos, aterrorizam a população com toques de recolher, fazem motim nos quartéis e pressão junto aos próprios colegas, impedindo outros policiais de trabalhar.
Embora sejam minoria, o fato é que há, em todos os Estados, a “banda podre” das corporações militares. São praças e oficiais de há muito já cooptados pelo crime organizado, pelas facções criminosas e milícias. Integram grupos de extermínio, praticam “justiçamento” e acabam encontrando respaldo em determinados nichos sociais simpáticos ao autoritarismo, para quem as coisas se resolvem à base da bala.
Há uma clara conexão entre tais grupos de policiais militares e parlamentares que constituem a base de apoio ao presidente Jair Bolsonaro no Congresso Nacional. Mais do que isso: esses grupos constituem o braço militar do bolsonarismo nos estados que, diferente do que se possa imaginar, não está tanto nas Forças Armadas e sim nas corporações militares locais. Para muito além dos fanáticos adeptos do “bolsolavismo” (terraplanista, obscurantista, obtuso e cretino) ou do público evangélico, reside nas Polícias Militares e nos Corpos de Bombeiros a principal base de apoio a Bolsonaro nos estados.
Atualmente, há pressão por melhorias salariais em 12 estados, a maioria governada por políticos de esquerda. No Ceará, os salários dos policiais não estão entre os piores. Com as propostas que tramitam na Assembleia Legislativa, poderão figurar entre os 10 melhores salários pagos a militares estaduais. Em outras unidades da federação, com remunerações mais baixas e com governos alinhados ao presidente, não têm ocorrido protestos.
A razão é simples: a cada vez que as investigações se aproximam de comprovar a já revelada e íntima ligação da família Bolsonaro com milícias cariocas, com grupos de extermínio e com o narcotráfico no Rio de Janeiro; e com a prática de empregar parentes seus e de notórios milicianos – na condição de funcionários fantasmas – e deles cobrar a tal “rachadinha”, mais se acirram os ânimos de policiais militares nesses estados por eles considerados “adversários”. Uma reação previsível, de quem tenta afastar de si os fortes indícios de envolvimento em crimes diversos, criando factoides, cortinas de fumaça ou, pior: insuflando conflitos que, além de desviar o foco sobre si, justifiquem a tomada de medidas autoritárias.
Vou além: suspeito, com alto grau de plausibilidade, que esteja havendo manipulação das associações de militares ligadas a Bolsonaro e sua família para dar a impressão de que os governadores dos estados do nordeste, que são seus adversários políticos, não possuem controle ou autoridade sobre suas tropas.
Esticar a corda, tensionar o clima, apostar cada vez mais na polarização e no dualismo político maniqueísta parecem ser as únicas armas que restam a Bolsonaro e sua trupe antes de uma previsível derrocada. Está cada vez mais próxima a comprovação do envolvimento dos diversos membros da família presidencial nos crimes que, há décadas, são suspeitos de praticarem, saltando aos olhos da opinião pública, até então anestesiada e crédula quanto às supostas boas intenções do presidente.
O iminente fracasso de um governo que, até agora, não achou o rumo da porta e que, em tão pouco tempo, já está atolado em escândalos pode ser precedido de tentativas desesperadas à procura de “bóias” que os salvem do naufrágio. O assassinato de Adriano da Nóbrega, chefe do Escritório do Crime de Rio das Pedras-RJ – reduto eleitoral dos Bolsonaros – e elo de ligação entre a família do presidente e as milícias cariocas é só um destes exemplos. O motim policial e o bizarro episódio envolvendo Cid Gomes é outro exemplo. O reforço profilático na militarização de cargos estratégicos no Palácio do Planalto, um terceiro exemplo. Vários outros podem vir a ocorrer. Um – ou vários – golpes podem estar a caminho.