‘X-Slasher’: sangue, humor e brasilidades no curta que nasceu em Bauru (SP)
Com direção de Letícia Bonatelli, o mascote da cidade vira monstro de terror e ganha sessão especial na CCXP
Por Hyader Epaminondas
“X-Slasher” é um filme que nasceu no coração universitário de Bauru justamente num momento em que os clássicos do terror dos anos 90 voltaram a ganhar fôlego, com novas sequências conquistando público e reafirmando a força do gênero.
O curta abraça sua própria origem com a confiança típica do bom cinema de gênero e transforma essa raiz em combustível criativo. Sob a direção segura e incrivelmente experimental de Letícia Bonatelli, o famoso mascote da cidade se reinventa como Bauruzinho, um monstro que mistura folclore local, crítica cultural e a deliciosa ousadia de quem sabe o valor da própria cultura.
Logo de início, o curta não perde tempo: apresenta o assassino numa cena contida e, em seguida, salta direto para a trama principal, quando um vídeo de Ana detonando o sanduíche bauru viraliza nas redes. A partir daí, o filme mergulha de cabeça na tensão entre tradição e modernidade, com ênfase na ideia da comida “raiz”. Esse choque vira o estopim perfeito para uma história gostosinha, cheia de humor e bastante ketchup, que flerta com o terror como quem tempera a narrativa com uma pitada de ousadia.
É nesse blend que surge o Bauruzinho, um vilão que se leva a sério demais. Ele encarna o conservadorismo folclórico que se recusa a ver sua tradição questionada. Guardião radical do verdadeiro bauru, defensor fervoroso do sabor raiz, ele interpreta cada crítica como um ataque pessoal à identidade da cidade. Sua missão é restaurar a ordem moral e gastronômica, mesmo que isso signifique perseguir jovens “haters” com uma devoção quase religiosa.
“X-Slasher” entende a força da cultura local e não tem medo de usá-la como estética narrativa, inclusive com atuações caricatas de um elenco totalmente em sincronia com o projeto, que às vezes parecem ter escapado de um episódio de “Scooby-Doo”. O resultado é um filme que celebra suas raízes enquanto brinca com os exageros de um país obcecado por tradição, memes e disputas gastronômicas.
O diferencial do curta também está no modo como ele olha para os clássicos do slasher que muitos de nós crescemos assistindo. O filme reconhece essa herança, absorve seus códigos e brinca com eles com carinho e esperteza, mas nunca cai na armadilha da imitação vazia. O curta transforma referências em identidade, não em cópia, e surpreende com seu desfecho faminto.
Ao vencer o Blast Pitch e conquistar espaço no Palco Blast da CCXP, o curta prova que o terror pode ser feito de modo artesanal e brotar do interior com identidade própria, longe de algumas produções nacionais que tentam apenas imitar a estética americanizada. O curta acerta o ponto certo ao misturar referências com ingredientes de alta qualidade, usando o tempero local para criar algo realmente autêntico.
“X-Slasher” abraça sua baurunidade com gosto e exibe a confiança de quem conhece suas raízes e seu próprio potencial. E, ao subir dos créditos, deixa um apetite enorme por pão francês quentinho, queijo derretido no ponto certo, rosbife finíssimo, tomate suculento e picles que dá acidez à mordida. Um filme que dá gosto e abre o apetite, em todos os sentidos.



