Por Hyader Epaminondas

A série animada dos X-Men, criada por Larry Houston e Frank Squillace, estreou em 1992 e encerrou sua transmissão original em 1997. Até hoje, é amplamente lembrada como um ícone da cultura pop, sendo reconhecida como uma das pioneiras em apresentar o fascinante universo dos mutantes para o público geral. O desenho se inspirava nas incríveis e mirabolantes histórias do autor Chris Claremont e na estética noventista do icônico Jim Lee

Além da forte conexão emocional dos fãs com a nostalgia presente nessa adaptação, a animação mantém sua popularidade através de uma variedade de produtos colecionáveis baseados nesse período. Uma das principais razões para essa longevidade reside na escolha em adaptar de forma flexível alguns dos arcos narrativos mais significativos dos quadrinhos dos filhos do átomo, enquanto mantém as mensagens principais.

Ao condensar o vasto universo dos quadrinhos publicados na época pela editora Abril em um formato acessível e atemporal explorando a linguagem dos desenhos animados da época, ela conseguiu cativar públicos de todas as idades, incentivando seus fãs a explorarem o material original e imergir no mundo dos quadrinhos, e vice-versa. A série não só oferecia ação eletrizante, mas também abordava questões complexas e atuais de forma explícita, tornando ainda mais envolvente e relevante. As questões abordadas, como discriminação, intolerância, xenofobia e racismo, aliadas ao desenvolvimento consistente dos personagens, cada um com seus próprios desafios e arcos próprios constituem um dos principais motivos pelos quais os fãs continuaram retornando para ela mesmo após décadas desde sua estreia, como podem ser vistos no especial “A Noite das Sentinelas”, arco que inicia a primeira temporada da animação com historias que se entrelaçam entre si em episódios sequenciais.

Ao explorar temas tão fundamentais como empoderamento, discurso de ódio e identidade, os X-Men não apenas ofereciam um entretenimento diferenciado, mas também estimulavam reflexões didáticas e profundas sobre questões sociais cruciais por meio de alegorias e metáforas facilmente compreensíveis utilizando seus personagens como veículos para representar os desafios da vida real, a série efetivamente transmitia mensagens de empoderamento para seu público, especialmente aqueles dispostos a mergulhar nos seus diálogos, afinal, não tem como ser mais explícito e visceral que o discurso do Magneto no segundo episódio da temporada de ‘97.

Para além das emocionantes batalhas e dos personagens carismáticos, muitos dos quais se tornaram ícones reconhecíveis por seus trajes coloridos cheios de bolsos e pochetes, a série abordava de forma abrangente uma variedade de questões que não eram tão discutidas na época como hoje em dia, proporcionando uma análise perspicaz sobre as dinâmicas sociais e dando voz aos desafios enfrentados por minorias e grupos marginalizados de forma poética, tudo isso através da linguagem acessível do desenho infantil.

A animação aborda de forma central a discriminação e o preconceito enfrentados pelos mutantes ao tentarem viver em harmonia com a sociedade humana. Esses indivíduos são marginalizados e temidos devido às suas diferenças, refletindo experiências reais de grupos minoritários.

É de conhecimento comum que a criação dos mutantes no universo Marvel por Stan Lee e Jack Kirby em 1963 foi, em parte, uma alegoria das lutas por direitos sociais do Movimento pelos Direitos Civis da época, tendo como inspirações figuras proeminentes como Martin Luther King Jr. e Malcolm X, representados respectivamente pelo Professor Charles Xavier e o ativista Erik Lehnsherr, o Magneto.

 A série aproveita essa analogia para explorar questões profundas, incitando reflexões sobre a persistência e suas consequências subjetivas na batalha contra o preconceito enfrentada por diversas minorias com sensibilidade, sempre explorando e debatendo o relacionamento dos dois líderes e as diversas camadas e percepções ideológicas do conflito.

Mas qual é a novidade de “X-Men ’97” para 2024?

Em um contexto global permeado pela ascensão silenciosa da extrema direita e pelo aumento dos conflitos entre nações, com justificativas imersas em ganância, preconceito e intolerância para justificar a prática de diversos atos de genocídio ao redor do planeta, como evidenciado pela crescente tensão entre China e Estados Unidos e seus respectivos peões em um tabuleiro manchado de sangue de inocentes, os X-Men assumem uma relevância única como uma ferramenta poderosa e simbólica no inconsciente coletivo de conscientização e promoção de letramento em direitos humanos. 

Ao utilizar uma narrativa acessível, a série não apenas cativa o público, mas também apresenta de maneira significativa conceitos importantes, fornecendo uma reflexão essencial sobre os valores fundamentais que regem nossa sociedade. Em um momento em que os princípios democráticos e os direitos individuais estão sob ameaça, as mensagens transmitidas pelos mutantes ganham ainda mais importância, inspirando os espectadores a refletir sobre a importância da igualdade, da tolerância e da justiça em um mundo cada vez mais dividido.

Em meio a esse contexto tumultuado, os mutantes se destacam como uma fonte valiosa de aprendizado e reflexão, mergulhando em um universo vibrante e diversificado. Desde a dominação global pelas temíveis robôs do Programa Sentinela do cientista Bolivar Trask em parceria com o senador racista Robert Kelly, que representam o ódio e intolerância humana pela diferença, até triângulos amorosos e desilusões dos alunos do Instituto Xavier, e ainda invasões alienígenas e viagens no tempo, a série oferece uma visão multifacetada dos desafios enfrentados pelas minorias.

Também é abordado na animação a busca pela identidade e pertencimento. Muitos dos personagens lutam com sua própria identidade mutante, buscando encontrar um lugar onde possam ser aceitos e compreendidos. Essa narrativa ressoa especialmente com adolescentes e jovens adultos que enfrentam desafios semelhantes ao tentar entender quem são em um mundo que muitas vezes os rejeita ou não os compreende.

Outro tema explorado na série é o da responsabilidade e poder. Os mutantes, dotados de habilidades extraordinárias, frequentemente enfrentam dilemas éticos sobre como usar seus poderes. Isso reflete debates sobre o uso responsável da tecnologia, influência política e outros tipos de poder na sociedade contemporânea.

Apesar das diferenças entre humanos e mutantes, em todo momento é enfatizado a importância da tolerância e cooperação para superar desafios comuns. Os X-Men frequentemente colaboram com humanos para enfrentar ameaças maiores, destacando a ideia de que a diversidade é uma força e que a união é essencial para superar adversidades.

O conflito dos mutantes: “A mim, meus X-Men”

O núcleo do conflito na animação reside na discussão ideológica de Charles Xavier contra Magneto, uma batalha que pode ser interpretada como uma reflexão da trajetória de ambos em busca por justiça social. Magneto por ser um sobrevivente do holocausto imerso em traumas passados de não deixar seu pesadelo se repetir no presente personifica a reação direta de retribuição à opressão dos mutantes, enquanto Xavier advoga por uma abordagem mais sutil na busca pela igualdade e justiça.

Os primeiros dois episódios da nova temporada abordam essa dinâmica, atualizando para os dias atuais. O que antes era representado de forma mais simplista, como um embate entre o bem e o mal, agora ganha nuances que ilustram a complexidade da diversidade de opiniões sobre como a luta pelos direitos humanos deve ser conduzida por seus líderes. Esse embate não apenas adiciona camadas à narrativa, mas também reflete os debates contemporâneos sobre justiça social, destacando a importância de considerar uma variedade de perspectivas na busca por um mundo mais equitativo e inclusivo.

Podemos dizer que esses dois primeiros episódios apresentam três arcos narrativos em desenvolvimento com uma qualidade da animação notável, caracterizada por sua fluidez excepcional, sequências explosivas e uma paleta de cores vibrantes que cativam e diferenciam os poderes diversos de cada um dos mutantes em cena exaltando suas individualidades com perfeição enquanto elevam cada cena a um nível de vivacidade e imersão visual criando uma atmosfera envolvente de volta ao final dos anos 90.

Foto: Divulgação/Disney+

As três linhas narrativas da animação até o momento

O primeiro se concentra no casal Summers, Jean e Scott, que estão aguardando a chegada do seu primeiro filho. Eles enfrentam a difícil tarefa de tomar decisões que não só afetam o futuro da criança, mas também o destino dos X-Men, especialmente após a partida do Professor Xavier para o planeta Shi’ar, como foi mostrado no último episódio da série original.

A ansiedade dos futuros pais é palpável, evidenciada pelo clima tenso que se instaura na Mansão X. Em um mundo que demonstra ódio pela raça mutante, Jean e Scott estão determinados a criar seu filho em segurança, enfrentando dilemas complexos e ponderando sobre como proteger seu filho de uma sociedade que os rejeita. 

Este desfecho não apenas enriquece a narrativa com uma profundidade emocional marcante, mas também destaca os desafios enfrentados pelos pais de primeira viagem na busca por um ambiente seguro e acolhedor para seus filhos, mesmo diante de um mundo hostil e intolerante. A inclusão da cena em que um médico negligencia seu dever ressoa com uma ampla gama de analogias com questões do mundo real, desde a segregação racial até crises contemporâneas como a epidemia do HIV, os diversos casos de negligência na atuação contra a pandemia de COVID-19 e os debates sobre a legalidade do aborto.

Na sequência, somos apresentados ao início do arco de redenção de Magneto. Com a partida de seu amigo, ele se vê imerso em um conflito de identidade. Agora, mais do que nunca, ele precisa se superar e ser a melhor versão de si mesmo para preencher o vazio deixado por Xavier e garantir um futuro próspero para os mutantes. Essa evolução no pensamento do personagem é uma jornada maravilhosamente sentimental, onde podemos sentir a todo momento Magneto ponderando suas ações, se esforçando para ser digno de honrar o legado deixado por seu amigo.

É uma transformação poderosa verdadeiramente impactante, que não apenas aprofunda o caráter de Magneto, equiparando às suas outras interpretações recentes, como vimos nos quadrinhos durante a saga Dinastia X e no filme Dias de um Futuro Esquecido, mas também destaca as complexidades morais e as batalhas internas que ele enfrenta em sua busca por redenção e reconciliação com um passado tumultuado.

Essa narrativa não apenas nos convida a contemplar a natureza do perdão, do arrependimento e da capacidade de mudança, mas também nos desafia a reconsiderar nossas próprias percepções sobre aqueles que foram considerados inimigos por tanto tempo. É um lembrete poderoso de que, mesmo nos momentos mais sombrios, há sempre espaço para a transformação.

O terceiro arco da série ainda está envolto em mistério, mas promete trazer um foco interessante no desenvolvimento da mutante nível ômega Ororo Munroe, a Tempestade, após os eventos dos dois primeiros episódios. Para os fãs que acompanham os quadrinhos, há uma expectativa crescente sobre o que está por vir e uma ansiedade palpável para acompanhar o desenrolar da trama nas próximas quartas-feiras.

É uma oportunidade empolgante para explorar ainda mais a complexidade da Senhora dos Elementos e ver como ela evoluiu em resposta aos desafios apresentados pela narrativa da série em sua jornada rumo à divindade.

Tudo isso culminando em um terceiro episódio absurdamente bem animado, vibrante, com movimentos dinâmicos e radiantes com rajadas de energia, tingidas em um espetáculo de cores efervescentes servindo de plano de fundo para destacar sua admirável adaptação sensível e atualizada da saga Inferno, apresentando de forma inteligente referências da saga original para enriquecer a narrativa ao mesmo tempo que apresenta um desfecho moderno que honra e respeita os personagens de maneiras inesperadas rumo a um futuro fabuloso.

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