Por Paty Zupo

“Onde foi que eu errei?” ou somente “Onde” intitula a mais nova obra do fotógrafo Walter Firmo em parceria com Nilo Biazzetto Neto lançado em Dezembro na Galeria da Livraria Portfólio na cidade de Curitiba.

O título, segundo os autores, partiu de uma brincadeira que sempre permeou a amizade entre os dois, possibilitando a construção da narrativa a partir de um caminhar lado a lado na ação de fotografar, revelando maneiras bastante distintas de ver o mundo.

“A ideia da realização deste livro veio muito tempo depois de termos fotografado juntos, Nilo e eu, no final de 2011 e início de 2012, datas nas quais viajamos para Europa. Eu, um agregado na família, naquele momento fui gentilmente acolhido, tive a sorte de passar um mês ao lado deles (esposa e filhas) e distante do furacão ao qual estava a minha vida (aqui no Brasil) ”, contou Firmo na coletiva de lançamento. 

O livro é apresentado em uma caixinha retangular na cor preta com a preposição “onde” escrita em cor esmeralda brincando com a analogia de “acomodar (guardar) nossos olhares […] pelos mesmos caminhos mas, fotografado com percepções e sentimentos distintos.” como explica Nilo. São dois exemplares, um de cada fotógrafo. O “onde” de Walter Firmo apresenta o desconhecido, o vazio, o caminho com obstáculos, buracos e fendas. Em suas fotos, quase todas em tons cinza, há a sensação de “estar faltando algo” seja no desenho dos pássaros no céu formando um quase coração (partido), mas livres, seja na luz vinda do desconhecido das silhuetas, demonstrando que o futuro é (seria) incerto.

Já o “onde” de Nilo Biazzetto ressalta as cores, uma referência ao trabalho do mestre e amigo. São fotografias com recortes de pessoas, animais ou coisas, reflexos em janelas misturando vida real com o (nosso) imaginário, o vazio preenchido pela solitude do ser. Há em todas elas a presença do humano em composições divertidas de um voyeur

Nascido na cidade de Curitiba em março de 1975, Nilo iniciou na fotografia durante a faculdade de publicidade e propaganda (PUC/PR) e, em 1998, inaugurou uma escola de fotografia na mesma cidade, a escola Portfólio de Fotografia, que se tornou um dos espaços mais atrativos da arte no sul do Brasil. Hoje, o espaço conta com área gourmet tendo um restaurante com exclusividades da culinária latina do chef venezuelano Jesus Diaz e uma livraria, além dos cursos, workshops, bate papo com artistas e exposições fotográficas no estilo “lambe lambe”. 

Em clima de lançamento, Walter Firmo concedeu-nos uma entrevista onde contou, não só sobre o processo de criação do livro, mas também um pouco sobre o que sente, ao longo dos seus 87 anos de vida, sendo fotógrafo no Brasil.

O início


“Eu fotografo desde meus 15 anos. Quando iniciei no fotojornalismo, recém saído do exército, ainda morava na casa dos meus pais. O país, as pessoas, a vida era muito diferente, havia romantismo em tudo, na forma de fazer uma foto, no lidar com as pessoas. Hoje, o celular deixou tudo na palma das mãos, acessível a quem quer que seja. Lá (no passado) havia sonho. Havia emoção em profissionalizar-se como foto repórter, e era possível ser pago por isso (risos) e este trabalho (repórter fotográfico) supria todas as minhas necessidades.” 

O meio

“Eu sempre fui um fotógrafo de pessoas, gostava de registrar a animação delas, como se relacionam no meio que vivem e participam. Tive minha primeira exposição com 25 anos de profissão, no Museu de Arte moderna do Rio de Janeiro, logo após o aparecimento de Cartier Bresson no Brasil com toda aquela ideia do cotidiano nas ruas em fotografias. Nos museus, até então, a pintura era peça chave. Foram 200 fotos minhas expostas num espaço amplo, grande naquela Galeria. Eu fui convidado, nunca procurei ninguém para isso. A partir daí as coisas começaram acontecer, sem parar de trabalhar, eu jovem e frenético, mantive a rotina exaustiva de trabalho, imortalizei minha expressividade em imagem, e continuo fazendo. Os convites, então, começaram a aparecer e com eles, diversas ideias também, como a de lançar um livro. E eu gostei!”

A exposição “Ensaio no tempo: 25 anos de fotografia” ficou em cartaz no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM) de 08 de dezembro a 15 de janeiro de 1983. A retrospectiva da carreira de Walter Firmo teve a curadoria de Zeka Araújo com a seleção de 200 imagens em cores e preto e branco. O resultado desta exposição foi o lançamento de um catálogo/livro, lançado pela editora Casa da foto agência e MAM, na cidade de São Paulo, também no ano de 1983. A exposição seguiu então para Curitiba (PR), Havana (Cuba) e Cabo Verde (África) em 1985, e Buenos Aires (Argentina) em 1988. (Saiba mais sobre em: https://projetoafro.com/artista/walter-firmo )

E continua

“Ao longo da minha carreira de mais de 70 anos de trabalho, eu colecionei muita coisa. Existe até a possibilidade de se fazer um filme, um documentário sobre mim, partindo do Instituto (Moreira Sales). Eu não quero armazenar nada, pois o meu trabalho é apelativo, é histórico, é do povo. Havia um acordo de manter meu acervo por dez anos no IMS, mas não quero buscá- lo. Sabe por quê? Por que eu mostro a vida das pessoas como se fosse um paraíso. Não falo de bens materiais ou artigos luxuosos, mas sim de alegria. E as pessoas amam se ver ali, para elas é representatividade. Para elas, o paraíso mora ali. Elas gostam de se ver nas fotos. Então, meu trabalho é do povo e ficará para o povo como acervo histórico.” 

Todo acervo de Walter Firmo encontra-se sob a guarda do IMS em regime de comodato desde 2018. São aproximadamente 145 mil imagens desde que o fotógrafo iniciou sua carreira em 1955, como fotojornalista, no jornal “Última hora.” Todo material está sendo digitalizado e catalogado e parte dele foi exposta entre os dias 30 de Abril e 09 de Outubro de 2022 na Sede do IMS São Paulo.

Carioca, nascido em 1937, Firmo é considerado um dos mais importantes autores a trabalhar a fotografia em cor no Brasil. Em seus retratos estão ícones da música como Clementina de Jesus, Dona Ivone Lara, Pixinguinha e Cartola. Como fotógrafo, desenvolveu uma poética em seu olhar, principalmente ao retratar a população negra, capturando a essência das pessoas, suas expressões em festividades religiosas ou manifestações culturais, e o cotidiano, de uma forma única. A composição é a marca registrada em suas fotografias que ele define como sendo a sua “sensibilidade no lidar com o povo”, como sendo ele mesmo.

“A linguagem da fotografia é de uma lealdade de quem a faz, é uma mensagem viva ao outro, um mistério a ser revelado a cada click. Gosto de despertar interesse e curiosidade no público, ‘o que o autor quer dizer com isso?.’ É aí que está o segredo, o de saber lançar sua fotografia, dar asas à ela. Deixar que o outro a interprete, a veja, e sinta. Como mensagem final, quero dizer que o poder do olhar deve influenciar as pessoas, pois o ato de fotografar é político e não mero acaso instantâneo com o que temos nas mãos. A foto, além de ser cultura, ela remete à Freud: pendurar uma máquina no peito e sair sem destino fotografando por aí, para esquecer os problemas e focar em si, pra te fazer bem, fotografar é terapêutico. Pra mim, esta é a razão do meu viver.”

O livro pode ser adquirido através do site: www.casaportfolio.com.br e está sujeito às quantidades limitadas disponíveis. 

Você pode saber mais sobre o acervo do fotógrafo Walter Firmo, acessando o site do Instituto Moreira Salles em: https://ims.com.br/titular-colecao/walter-firmo