Vitorioso na África, Hervé Renard busca sua grande glória em Copas pela Arábia Saudita
Técnico francês que fez história com a seleção saudita ao superar a Argentina, já coleciona grandes feitos comandando países africanos
Por Matheus Pedroso
A primeira rodada da Copa do Mundo 2022 teve como jogo mais emblemático a histórica vitória da Arábia Saudita diante da Argentina, uma das grandes favoritas ao título e que esteve muito ameaçada de eliminação com o revés. Após a partida, viralizou a conversa entre o treinador, Hervé Renard, e seus comandados durante o intervalo, quando os sauditas ainda perdiam por 1 a 0, e receberam um grande sermão que precedeu a virada, tornando o francês uma das principais figuras do Mundial até aquele momento.
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Sem grandes passagens por clubes, Renard teve um início de carreira longe dos holofotes ao comando do pequeno Draguignan, da quarta divisão francesa, onde havia se aposentado como jogador e deu início a sua trajetória na área técnica. Após duas temporadas à frente do clube, foi demitido e passou a focar na sua empresa de limpeza, mas por um curto período, já que recebeu de Claude Le Roy, histórico treinador da Seleção Camaronesa, o convite para virar seu auxiliar.
Foram anos ao lado do seu mentor, até ser indicado pelo mesmo para dirigir Zâmbia, sua primeira experiência à frente de uma seleção e onde já colheu os frutos, levando o país até as quartas-de-final da Taça das Nações Africanas, algo que não acontecia há 14 anos e foi muito celebrado. O desempenho chamou a atenção de Angola, que o contratou ao término da competição para comandar sua seleção, mas o vínculo foi interrompido meses depois por insatisfação do francês com a federação local.
A primeira grande glória como técnico foi reservada para seu retorno à Zâmbia, na edição seguinte do torneio continental, em 2012. De forma histórica, o país conquistou seu primeiro título da Taça das Nações Africanas, superando potências como Gana e Costa do Marfim, a segunda vencida na decisão e que contava com as estrelas Didier Drogba e Yaya Touré, além de outros nomes presentes em grandes clubes europeus, muito diferente do elenco zambiano, que tinha apenas dois integrantes atuando no Velho Continente.
A conquista teve um significado ainda mais especial para o país, que foi assolado por um tragédia em 1993, quando a melhor geração da seleção nacional foi vítima de um trágico acidente aéreo, que culminou na morte de 18 jogadores, em Libreville, no Gabão. O destino foi calculista e, 19 anos depois, reservou o primeiro grande título de Zâmbia para a capital gabonesa, que sediou a decisão do torneio. Após a partida, Renard dedicou a vitória aos atletas falecidos no desastre.
A conquista valorizou o treinador, que na sequência teve sua primeira experiência na elite do futebol francês, encerrada com um amargo rebaixamento à frente do tradicional Sochaux. O retrospecto ruim no clube não foi empecilho para que pouco depois ele fosse contratado para dirigir a Costa do Marfim, uma das principais seleções africanas, mas que precisaria lidar com a ausência da sua maior referência, o atacante Didier Drogba, que se aposentou depois da Copa do Mundo do Brasil, em 2014.
Vitorioso contra os marfinenses três anos antes, Renard em 2015 teve a missão de pôr fim ao jejum de 23 anos do país sem conquistar a Taça das Nações Africanas, e assim foi feito. Após uma complicada primeira fase, com dois empates e a classificação garantida apenas na última rodada, a Costa do Marfim passou por cima de adversários complicados nos mata-matas, como Argélia e RD do Congo.
Na decisão, o adversário foi o mesmo da conquista anterior, a seleção ganesa, com um roteiro dramático, foram necessários 120 minutos e onze rodadas de pênalti para conquistar o segundo título da Costa do Marfim e de Renard na competição. Mais um feito histórico para o treinador, finalizando um incômodo período para o país, que teve a melhor geração da sua história nesse intervalo e bateu na trave duas vezes antes de voltar a ser campeão continental.
Novamente valorizado, não demorou para que uma nova oferta de outro clube francês chegasse para Renard, agora foi a vez de assumir o Lille, um dos grandes do país e que apostou no treinador. No entanto, a experiência não durou seis meses e após péssimo início, o técnico amargou nova demissão com apenas 14 jogos no comando.
Depois de mais uma experiência frustrada em clubes, o treinador voltou a ter oportunidade por uma seleção africana, dessa vez o Marrocos, que buscava quebrar duas décadas de ausência na Copa do Mundo. Pela frente, um grupo complicadíssimo que também contava com Gabão, Mali e a Costa do Marfim, de onde tinha se despedido poucos meses antes com a conquista continental.
No comando da seleção marroquina, acelerou a renovação da equipe, contando com muitos jogadores que estavam no futebol europeu e, apesar de não terem nascido no país africano, possuem ascendência e foram convencidos a se juntarem ao grupo, como Hakimi, Mazraoui e Amrabat, todos muito importantes atualmente e que receberam sua primeira convocação através do francês, além do zagueiro Nayef Aguerd, do West Ham, da Inglaterra, mas que foi notado por Renard ainda quando jogava no futebol local.
A confirmação do retorno de Marrocos à disputa de uma Copa do Mundo após vinte anos, veio exatamente diante da Costa do Marfim, superando os marfinenses por 2 a 0, fora de casa. No Mundial, a seleção sucumbiu ainda na primeira fase, com derrotas para Irã e Portugal, mas fechando sua participação com empate diante da Espanha, em partida que vencia até os acréscimos do segundo tempo.
Atingindo o principal objetivo, que era voltar a disputar o Mundial, a federação marroquina manteve Renard mesmo com a eliminação na primeira fase, mas no ano seguinte, após eliminação para Benin, nas oitavas-de-final da Taça das Nações Africanas, o treinador decidiu finalizar sua passagem pelo país, ficando livre para assinar com a Arábia Saudita dias depois.
Nas eliminatórias asiáticas, os sauditas comandados por Renard conseguiram classificação antecipada para a Copa do Mundo, superando Japão e Austrália, para terminar na liderança do seu grupo. Na preparação para o Mundial, a Arábia Saudita não acumulou vitórias diante de seleções de outros continentes, algo que atingiu já em sua estreia contra a Argentina de Lionel Messi e companhia, na maior zebra da competição até o momento.
Após a derrota para a Polônia na segunda rodada, os sauditas entram em campo nesta quarta-feira (29) diante do México na tentativa de voltarem a disputar as oitavas-de-final da Copa do Mundo, feito atingido uma única vez, em 1994. A trajetória de Hervé Renard no país deve se estender por mais um ciclo, já que seu contrato vai até 2027 e assim poderá estar em outro Mundial no comando da Arábia Saudita.
Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube