Vitória quilombola em Alcântara pode repercutir em todo o país
O Brasil será julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por violações de direitos humanos no processo de instalação da Base de Alcântara, no Maranhão
Por Eliana Conde Barroso Leite
As comunidades quilombolas de Alcântara, no Maranhão, obtiveram uma importante vitória em janeiro de 2022, com o envio do caso da instalação do Centro de Lançamento de Alcântara em seu território, iniciado na década de 70, à Corte Interamericana de Direitos Humanos – Corte IDH. O Brasil será julgado pela Corte IDH por prováveis violações de direitos humanos no processo de instalação da Base de Alcântara.
Trata-se de um fato de grande relevância que fortalece a luta pelos direitos de todas as comunidades tradicionais brasileiras, em especial no direito ao território que ocupam, o que é previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais, ratificada pelo Brasil por decreto legislativo em 2002.
De acordo com a Organização dos Estados Americanos, os povos tradicionais de Alcântara são de ascendência indígena e africana. Trata-se de uma rede de comunidades baseada na interdependência e reciprocidade, que reclama 85 mil hectares de terras ancestrais.
Nos anos 80, 52 mil hectares do território habitado por 32 comunidades quilombolas foram expropriados pelo Estado brasileiro, que reassentou seus habitantes em 7 agrovilas, para desenvolver o Centro de Lançamento de Alcântara.
De acordo com a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais, decretada em 2007, comunidades tradicionais: são grupos culturalmente diferenciados que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos e práticas gerados e transmitidos pela tradição.
Isto significa que povos tradicionais dependem diretamente do meio ambiente para sobreviver, em sua maior parte, sendo seu território fonte desta sobrevivência e base para a permanência de seu modo de vida tradicional.
A relação de harmonia com o meio ambiente e as comunidades tradicionais é de tal monta que os cientistas lhes atribuem fundamental papel na preservação da biodiversidade global. É dever de toda a sociedade, portanto, protegê-las.
De acordo com o portal Publica!, a construção da base de lançamento de foguetes da Força Aérea Brasileira removeu compulsoriamente mais de 300 famílias ao longo da década de 80. Para agravar, o governo Bolsonaro assinou acordo para ceder a base aos Estados Unidos, o que também está sendo denunciado. A titulação do território está parada há mais de 13 anos.
A ida do processo de denúncia à Corte IDH ocorre após mais de 20 anos de tramitação no Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos, ligado à Organização dos Estados Americanos – OEA. De acordo com Publica! a petição foi apresentada por representantes das comunidades atingidas e entidades como Justiça Global, Global Exchange e Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Maranhão (FETAEMA), entre outras. A denúncia apontou “desestruturação sociocultural e violação ao direito de propriedade e ao direito à terra” dos quilombolas de Alcântara.
Em 2020, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos considerou que o Estado brasileiro violou direitos das comunidades quilombolas de Alcântara e recomendou a titulação do território, a consulta prévia em relação ao acordo com os Estados Unidos, além da reparação financeira dos removidos, entre outras medidas. Como o Brasil não atendeu, a Comissão enviou o caso para a Corte de Direitos Humanos.
Segundo Danilo Serejo, quilombola e assessor jurídico do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (Mabe), uma das partes no processo, há uma expectativa de que o Brasil seja condenado a reparar as comunidades de Alcântara. Esta vitória sem dúvida será estendida a todas as comunidades tradicionais do Brasil.