Foto: EBC

Em uma repetição neurótica, este ano começou da mesma forma que 2017. Rebeliões em Aparecida de Goiânia, no Complexo Agroindustrial do Regime Semiaberto, estamparam as manchetes da semana, que logo serão esquecidas se o fenômeno repetir as dinâmicas das tragédias nos presídios no início de 2017. Passou da hora do Estado assumir uma nova visão em relação à Política Nacional de Segurança Pública e, consequentemente, em relação aos cárceres brasileiros.

As rebeliões e mortes em cadeias no Brasil são sintomas claríssimos do resultado de políticas irracionais, que deveriam ser pensadas de forma transversal junto a temas como a descriminalização das drogas, o racismo, o encarceramento em massa e o punitivismo do Estado. São estes os temas a serem debatidos a fim de que encontremos o caminho para repensar o sistema carcerário brasileiro, partindo de uma perspectiva que não seja a atual.

A vida dos presos em geral é sempre banhada a massacres, mortes, proliferação de doenças e muita violência, tudo isso em um ambiente superlotado e completamente insalubre. Por exemplo: a capacidade do presídio de Aparecida de Goiânia, palco das mais recentes rebeliões, é de 468 presos. No dia da última vistoria o prédio estava com 1.153 presos, segundo relatório do CNJ.

A vida dos familiares de quem está preso também funciona como uma extensão destes horrores: de acordo com um levantamento realizado no presídio de Aparecida de Goiânia, em diversos momentos crianças presenciaram relações sexuais de seus pais em dias de visita íntima, por falta de espaços adequados e descuido das administrações.

Pode parecer, num primitivo e raso julgamento, que o ideal seria manter todas essas pessoas presas. Afinal de contas, a lógica do senso comum supõe que elas cometeram algum crime, em outro caso estariam livres, já que o sistema não falha. Acontece que essa situação calamitosa é o reflexo de um sistema proibicionista que oprime, mata e continua segregando, em sua esmagadora maioria, as pessoas pobres, pretas, jovens e periféricas.

Uma das principais estruturas da lógica do encarceramento no Brasil é a ampliação de um Estado autoritário, proibicionista, racista e punitivista, que garante o andamento do projeto de superlotação das prisões, servindo como uma das mais fortes engrenagens da injustiça social. A lógica reside em proteger os interesses das classes incluídas econômica e socialmente, enquanto o pobre, preto, jovem, usuário de drogas ou morador de comunidades periféricas vai parar na cadeia, facilmente apontado como bandido.

Os altos índices de presos no país simbolizam uma das maiores contradições do nosso sistema, visto que a maioria deles não representam grande risco à sociedade. A maior parte da população carcerária é composta por pessoas sem antecedentes criminais, acusadas de roubos, crimes contra a propriedade ou até mesmo aguardando julgamento.

Portanto, o sistema Judiciário deveria encontrar formas de enfrentar satisfatoriamente o desafio de reduzir a população carcerária, avaliando os direitos dos presos e analisando com cautela questões como a insalubridade das masmorras brasileiras, fator que gera doenças e faz com que presos morram como ratos em celas superlotadas; as violações aos Direitos Humanos nos presídios, reflexo de um Judiciário punitivista e caolho; o direito à progressão de pena, que tem falhado em muitos casos; as prisões temporárias, que seguem à espera de julgamento por falta de fôlego do judiciário e por falta de assistência jurídica para os presos; etc.

Também é importante ressaltar que desde que a Lei de Drogas foi sancionada, em 2006, o número de presos aumentou exponencialmente, fato que denuncia uma direta relação entre a política de drogas vigente e o encarceramento em massa – sem sombra de dúvidas, o principal fator agravante do caos no sistema prisional.

No Brasil temos uma das maiores populações carcerárias do mundo. E veja só: caminhamos para a primeira colocação no ranking. Só aqui em Goiás a população carcerária aumentou em 64% nos últimos quatro anos, segundo dados publicados pelo CNJ.

Também é preciso responsabilizar a mídia, que provoca uma reflexão rasa na opinião pública ao fantasiar em relação aos reais motivos da violência dentro dos presídios. Dizer que as brigas entre facções são o principal motivo destas rebeliões é muito pouco, afinal sabemos que as rixas são naturais e previsíveis nestes ambientes, dando margem a todo tipo de prevenção.

Não restam dúvidas: as prisões já não são opções viáveis econômica e socialmente. Elas deveriam ser a exceção, enquanto a liberdade deveria ser a regra.

Por que não desistir da guerra contra as drogas e seguir o caminho da legalização, conforme apontado pelo colega colunista Jean Wyllys em sua última coluna para a Mídia Ninja? Por que não enfrentar a cultura da prisão como regra e transformá-la em exceção? Por que não repensar as estruturas e ações militares que fazem prisões em flagrante e abordagens suspeitas nas periferias? Por que não assumir que passou da hora de olharmos para aqueles que consideramos indesejáveis com maior empatia? A quem serve seguir varrendo para baixo do tapete?

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