Vim aqui dar um recado vocês queiram ou não: a favela produz e MUITO. Pra quem acha que favela se resume à violência, está enganado, meu amigo. Se tem uma coisa que ela se resume – se é possível resumi-la a algo – é a potência. Dentre os muitos projetos que surgem nas favelas do Brasil inteiro, especificamente nas cariocas, o Favelagrafia nasceu com o objetivo de desmistificar estereótipos que são criados e disseminados sobre esses lugares e seus moradores através do uso da fotografia. São nove fotógrafos de nove favelas do Rio de Janeiro que tocam o projeto: Anderson Valentim (Morro do Borel), Elana Paulino (Favela Santa Marta), Jéssica Higino (Morro da Mineira), Josiane Santana (Complexo do Alemão), Joyce Marques (Morro da Providência), Magno Neves (Morro do Cantagalo), Omar Britto (Morro da Babilônia), Rafael Gomes (Favela da Rocinha) e Saulo Nicolai (Morro dos Prazeres).

O Favelagrafia nasceu em 2016 trazendo novas perspectivas para além do que o senso comum pensa quando falamos a palavra f-a-v-e-l-a.

Aliás, o que vem a sua mente?

Um adendo bem rápido: estamos no segundo parágrafo desse texto e já repeti a palavra favela, no mínimo, umas cinco vezes. Se caso eu estivesse fazendo uma prova, com tamanha repetição de palavras, eu já teria sido reprovada. Mas como não é o caso, vou falar ainda mais. Espero não ocasionar incômodos, mas se sim, aconselho que reveja o seu manual de como ser antirracista, rs. Compartilho com a fala de Laerte, um dos fundadores do pré-vestibular popular UniFavela do Complexo da Maré: “Gosto muito da palavra favela porque favela para mim é música e luz. Se eu pegar a primeira sílaba de favela, eu vou ter ‘fa’ representando uma nota musical e ‘vela’ representando uma luz”. Enfim, leiam esse texto até o final para fazermos essa esperada contagem juntes de quantas vezes repetirei a palavra favela. Voltando…

Pensar nesse local é também refletir sobre a cultura e produções criativas que estão sendo realizadas todos os dias em diferentes áreas como fotografia, jornalismo, design, letras e engenharia, por meio de uma reflexão profunda sobre o território e as identidades das pessoas que ali residem. Já dizia Milton Santos sobre a cultura popular, que os símbolos “‘de baixo’, produtos da cultura popular, são portadores da verdade da existência e reveladores do próprio movimento da sociedade”.

No dia nove de novembro, ao visitar a exposição gratuita 2.0 do Favelagrafia realizada no MAM, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, que trouxe a temática “Talentos das Favelas”, me veio uma reflexão de Milton Santos à cabeça. Percebi que por mais que as mostras fossem referentes ao povo negro e favelado, em sua maioria, estavam presentes pessoas brancas de classe média alta que olhavam as fotografias e os vídeos expostos. Mas fui confortada ao lembrar de Milton Santos ao dizer que o conflito entre a cultura popular e a cultura de massa, se dá quando instrumentos dessa cultura de massa são ressignificados pela cultura popular para que ela se difunda. Um projeto que nasceu em favelas cariocas e foi exposto no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM), no Centro, um lugar ainda não acessível ao povo negro e favelado, se tornou uma ferramenta para a divulgação de trabalhos de indivíduos historicamente postos à margem da sociedade: os fotógrafos das nove favelas do projeto Favelagrafia.

De acordo com Joyce Marques, fotógrafa da iniciativa e estudante de Publicidade, houve esforço de toda a equipe nos meses que antecederam o dia da inauguração, para tornar a exposição gratuita e ao ser questionada sobre a utilização do termo “favela” no nome do projeto, Joyce foi enfática ao dizer que “É importante que as pessoas saibam do que a gente está falando e que seja direto”.

Foto: Joyce Marques

Anderson Valentim, fotógrafo do Morro do Borel e músico, trouxe nesta segunda edição do Favelagrafia, um olhar voltado para os artistas negros. Para ele, o período difícil em que vivemos hoje relembra a responsabilidade social que têm os artistas, dentre estes os fotógrafos, de dar maior visibilidade a determinados trabalhos. No caso dele, bailarinos negros. Anderson é o autor da fotografia que viralizou nas redes sociais, com a obra “Alguns lutam com outras armas” em que garotos com os rostos cobertos seguravam instrumentos musicais como se fossem armas. Ele conta que a ideia de fazer a foto surgiu da vontade de trazer a reflexão sobre a importância de manter o olhar atento para confrontar o juízo de valor que é feito pela sociedade, ao ver meninos de favelas com rostos cobertos. “Sempre tem essa mística do cara com o rosto tampado ser bandido”, afirma Anderson.

Foto: Anderson Valentim

Foto: Anderson Valentim

Qual a sensação de se ver na tela? “É uma sensação indescritível porque a gente busca sempre fazer o melhor”.

Essa foi a resposta que recebi de Vinicius Villiger e Flávia Teixeira, moradores do Morro Cantagalo, situado entre os bairros de Copacabana e Ipanema, Rio de Janeiro, e profissionais de dança de salão, por terem sido fotografados e filmados pelo fotógrafo, Magno Neves.

Enquanto eu andava pelo salão, me deparei com duas pessoas posando para a foto em frente a um quadro que mostrava um casal com roupas azuis e amarelas, em pose de dança de salão. Na hora, me questionei se o casal que eu via ao vivo, era também o casal que coloria o quadro. Era. Percebi então, que ali na minha frente estava o verdadeiro significado de representatividade.

A representatividade negra é essencial para a construção da autoestima, quebra de visões distorcidas sobre esse povo e para demonstrar a importância de conhecermos a história do negro, contada por nós mesmo.

Animada com esse fato, fui pedir uma entrevista. Perguntei se o menino que deveria ter em torno de seis anos e que estava com eles era filho, não era. A criança era sobrinha. Indaguei: “Muito importante ele ter acesso à representatividade desde pequeno”.

 “E o que vocês esperam que seja feito daqui para frente para as favelas e para o povo negro?”

Flávia, enfermeira de 28 anos, responde: “A gente espera muito essa valorização de que na comunidade existe sim pessoas capazes e talentosas e não meramente traficantes e afins”. Para Vinicius, seu companheiro de vida e de dança de salão, a única diferença que existe entre os moradores do Morro Cantagalo e do entorno de Copacabana e Ipanema, é a financeira e não intelectual. “

A favela é potência.

Ahhhh, alguém contou quantas vezes escrevi a palavra favela? rs

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