O Vaticano divulgou um documento em que não reconhece os direitos das pessoas decidirem pela mudança de gênero, e também nega os direitos da mulher decidir sobre o próprio corpo, no caso de aborto. Em tom transfóbico, o documento “Dignitas Infinita” (Dignidade Infinita) se opõe à redesignação sexual, à chamada “teoria de gênero” pela Santa Sé, e classificada como “perigosa”. Ao mesmo tempo, afirma que não apoia leis que criminalizam a LGBTQIAPN+. Atualmente, mais de 60 países possuem leis que não reconhecem o direito dessas populações.

A Rede de Católicos LGBT emitiu uma nota nesta terça-feira (9) em resposta ao recente documento, que foi assinado pelo Papa Francisco. O grupo elogiou partes do texto, mas criticou certas abordagens consideradas desfavoráveis às pessoas transexuais, travestis e não-binárias.

Pela primeira vez de forma tão específica, o Vaticano denuncia veementemente a “teoria de gênero”, chamada pelo Papa Francisco de “colonização ideológica muito perigosa”. O documento reitera a posição da Igreja contra a mudança, alertando que isso “ameaça a dignidade única que cada pessoa recebe no momento da concepção”.

Na resposta ao Vaticano, o grupo afirma estar desapontado pelo documento não reconhecer plenamente a dignidade absoluta das pessoas transexuais e não-binárias, apesar dos avanços pastorais e teológicos construídos pela base nos últimos anos.

A Rede de Católicos LGBT também lamenta que o documento se baseie em uma teologia desatualizada do essencialismo de gênero, limitando-se à ideia de que a aparência física de uma pessoa é a evidência central da identidade de gênero natural. Essa perspectiva, segundo o grupo, não aborda adequadamente os aspectos psicológicos, sociais e espirituais presentes na vida de cada indivíduo.

Além disso, a nota critica a caracterização da inclusão LGBTQIAPN+ como um fenômeno ocidental imposto colonialmente, ignorando a diversidade de identidades de gênero reconhecidas e celebradas em diversas culturas ao redor do mundo e ao longo da história.

Barriga de aluguel

A gestação por barriga de aluguel também é abordada no documento, sendo considerada em “total contradição com a dignidade fundamental de cada ser humano”. Além disso, o texto condena a aceitação do aborto, descrevendo-a como uma “crise de moralidade muito perigosa”.

O documento reconhece que algumas pessoas podem passar por cirurgias para resolver “anomalias genitais”, mas enfatiza que tais procedimentos médicos não constituem uma mudança de sexo no sentido pretendido.

A divulgação deste documento ocorre em meio a divisões dentro da igreja, especialmente após a polêmica em torno da instauração de bênçãos para casais homoafetivos, algo defendido pelo Papa Francisco. Desde então, tem havido debate e contestações, principalmente de setores mais conservadores.

O Papa Francisco tem buscado tornar a doutrina católica mais inclusiva, especialmente em relação a grupos historicamente marginalizados, como os LGBTQIA+, embora reitere que não houve mudança nos ensinamentos morais da igreja.

Confira a nota na íntegra:

“A Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT+ recebe com atenção a declaração “Dignitas infinita” emitida pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, a qual visa esclarecer princípios fundamentais sobre a dignidade humana e denunciar violações graves desta. Reconhecemos a importância de tal documento em trazer à luz a necessidade de respeito e proteção da dignidade de todas as pessoas, independentemente de sua orientação sexual.

Celebramos o dom da vida de todas as pessoas transexuais, travestis e não-binárias, reconhecendo que são uma maravilhosa criação de Deus e merecem ser respeitadas em sua dignidade. A afirmação de que todas as pessoas devem ser acolhidas com respeito e protegidas de qualquer forma de discriminação é um passo significativo na promoção de uma cultura de inclusão e amor incondicional.

No entanto, lamentamos que o documento ainda não reconheça plenamente a dignidade absoluta das pessoas transexuais e não-binárias, apesar dos avanços pastorais e teológicos construídos pela base. É essencial que, nós, como Igreja, continuemos avançando no entendimento e na promoção da dignidade de todas as pessoas, sem exceção.

Em sua abordagem ao gênero, o documento se baseia na teologia desatualizada do essencialismo de gênero, que afirma que a aparência física de uma pessoa é a evidência central da identidade de gênero natural de uma pessoa. Essa perspectiva fisicalista nos limita, enquanto Igreja, frente à crescente consciência de que o gênero de uma pessoa inclui os aspectos psicológicos, sociais e espirituais naturalmente presentes em suas vidas.

Ao categorizar levianamente a inclusão LGBTQIAPN+ como um fenômeno ocidental imposto de forma colonialista a outras culturas, o texto ignora o fato antropológico, documentado por muitos estudiosos mesmo antes dos dias atuais, de que culturas ao redor do mundo e ao longo da história reconheceram e celebraram identidades de gênero além das reivindicações da igreja de binarismo de gênero masculino/feminino.

Felizmente, são muitos os cristãos leigos e leigas, padres, bispos, diáconos, religiosos e religiosas que já acolhem e celebram as pessoas LGBTQIAPN+ como dons de Deus, demonstrando que o amor divino é infinito e sem barreiras. Vale ressaltar a importante resposta do mesmo Dicastério, em novembro passado, acerca da participação aos sacramentos do Batismo e do Matrimônio por parte de pessoas transexuais e de pessoas homoafetivas. Este reconhecimento e a missão do acolhimento são fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e compassiva.

Consideramos que a declaração “Dignitas infinita” representa um passo importante no debate sobre a dignidade humana, mas ressaltamos a necessidade contínua de avançar em temas sensíveis que afetam milhões de pessoas em todo o mundo. Instamos a todo Povo de Deus a continuar buscando uma compreensão mais profunda e inclusiva da dignidade de todas as pessoas, à luz do amor e da misericórdia de Deus.”