Por Victor Meira

O Sindicato de Roteiristas da América já está há um mês de greve e sem perspectiva de retorno. A paralisação visa garantir aumento salarial dos autores, regular o uso de inteligência artificial, aumento dos pagamentos residuais em streaming e garantir benefícios como plano de pensão e seguro saúde.

Enquanto o sindicato não chegar a um acordo com a Aliança de Produções Televisivas e Cinematográficas (AMPTP), a orientação é que os trabalhadores não criem ou alterem nenhuma produção. No meio tempo, os roteiristas estão se juntando para protestar nas portas dos grandes estúdios e paralisar filmagens em andamento. É o que conta David Slack, produtor e roteirista americano (“Jovens Titãs”; “Lei & Ordem”), que já está na sua segunda greve como membro do sindicato.

“Se conseguíssemos tudo que estamos pedindo, seria menos de 2% do lucro (dos estúdios). Nós somamos o que custaria em termos de receita de cada estúdio, e 0,2% é o maior número. Então eles podem bancar isso. Na minha opinião, tem sido uma tolice deles forçar esta greve.”

Slack tem seguido uma rotina de encontrar colegas de trabalho nas manifestações e lutar por seus direitos na linha de frente. Segundo ele, são aproximadamente 4 horas por dia na rua, sendo às vezes dois turnos pela manhã. Ele esclarece que não é um cotidiano fácil, mas não é a primeira vez que passa por isso.

Em 2007, houve uma outra greve do sindicato dos roteiristas que paralisou a produção de filmes e séries, causando um prejuízo bilionário para Hollywood e que marcou a história para trabalhadores da indústria do entretenimento.

“Essa é a minha segunda greve. Ficamos fora por 100 dias (da última vez) andando na linha de frente. Foi o que nos deu ‘cobertura’ para o que hoje chamamos de streaming”, explica Slack. “Aqui estamos nós de novo. Dezesseis anos depois, tentando relembrar essas empresas que elas não podem fazer esses produtos sem a gente, que geram bilhões de dólares todo ano.”

Apesar da luta diária, os grevistas encontraram um senso de coletivo e a adesão da classe artística aos protestos tem sido forte. Atores famosos e trabalhadores da indústria que não são membros do sindicato de roteiro têm demonstrado apoio à greve.

Tal suporte parece não ser suficiente para que a AMPTP negocie os termos exigidos pelos trabalhadores. Slack esclarece que dessa vez é diferente, pois não estão apenas negociando com estúdios de cinema com 100 anos de existência (Warner Bros, Walt Disney e Paramount) mas também com empresas de tecnologia que estão no meio.

“Algumas dessas companhias como Netflix, Apple e Amazon são empresas tech que agora estão no entretenimento. Estão lutando contra a sindicalização em toda a sua indústria”, relata.

Segundo ele, não querem aceitar a ideia de trabalhadores negociando suas condições coletivamente. David Slack também defende que poucas pessoas podem fazer o que os roteiristas criam e não teme que seu trabalho seja substituído por inteligência artificial. Apesar da regularização desta tecnologia ser uma das exigências do sindicato, ele acredita que outros empregos vão ser automatizados pela tecnologia.

“Honestamente, a IA vai fazer o trabalho de CEOs, de contadores e de programadores. Isso bem antes de conseguir fazer o meu. Tenho uma amiga que escreveu um filme famoso sobre a infância dela. Uma IA não tem uma infância”, argumenta o roteirista.

Mesmo reconhecendo que a inteligência artificial pode surgir com a ideia de um roteiro e depois ele ser reescrito por um humano, Slack conta que essa dinâmica de autores serem contratados apenas para reescritas já existe na indústria e que novas tecnologias devem afetar todos os tipos de negócios, não apenas o entretenimento.

Outra demanda dos roteiristas é o aumento dos pagamentos residuais. Quando uma série reprisa na TV, os trabalhadores envolvidos na produção ganham um valor percentual daquela exibição. Mas Slack explica que não conseguiram renegociar este pagamento para a plataforma de streaming. Já que um conteúdo não reprisa na programação do catálogo. O consumidor escolhe quando assistir um título, por demanda.

“Agora no streaming, a maioria das séries não são reexibidas em emissoras, eles só vão uma vez para a plataforma de streaming e os pagamentos residuais são muito baixos”, explica Slack, que quando escrevia para a série “Lei & Ordem”, um episódio era reprisado quatro ou cinco vezes no primeiro ano e era um bom pagamento extra que o autor recebia.

O público deve descobrir o quanto o papel de roteirista é essencial quando as produções chegarem às telas no próximo ano. “Anéis do Poder”, “A Casa do Dragão” e “Deadpool 3” foram títulos que não pararam de filmar mesmo com a greve em vigor. Por outro lado, “Demolidor: Born Again”, “Stranger Things” e a terceira temporada de “Hacks” tiveram suas filmagens pausadas. Programas noturnos de auditórios, conhecido como talk shows e sketch shows, também pararam.

“A qualidade sofre. Acho que vimos isso durante a última greve. Quando nós, roteiristas, não estamos no set de filmagem, a qualidade decai”, afirma Slack. Segundo o autor, os estúdios têm dado declarações dizendo que não estão sendo tão afetados pela greve pois já possuem muito conteúdo gravado para lançar nos próximos meses: “Mas essas séries que eles têm agora guardadas foram feitas um ou dois anos atrás. Como vão ficar os relatórios de lucro deles daqui dois ou três anos? Porque não estamos fazendo nada para eles agora.”

Após um mês de greve, David Slack demonstra confiança para o futuro. Mesmo sabendo que por se tratar de uma negociação, pode haver abdicações: “Não é nem questão de esperança, porque estou certo que vamos ganhar. Eu acredito nos meus colegas roteiristas e acredito na liderança do Sindicato. Confio que sabemos como os negócios funcionam. Eles são absolutamente dependentes da nossa habilidade de criar.”

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