Uso de agrotóxicos quase duplicou nos últimos 30 anos, aponta levantamento
“Atlas dos Pesticidas” traz uma análise do uso global de agrotóxicos e como esse impacta seriamente a saúde da população
O “Atlas dos Pesticidas”, lançado nessa terça-feira (18), traz uma análise acerca do uso de agrotóxicos e dos efeitos que esses acarretam na saúde e no meio ambiente, expondo que o uso de agrotóxicos no mundo aumentou 80% nos últimos 32 anos. O documento, que também apresenta alternativas ao modelo de monocultivos, foi produzido pelos Amigos da Terra, em conjunto com a Rede para a Ação sobre os Pesticidas e com a Fundação Heinrich-Böll-Stiftung.
Segundo o atlas, há uma profunda contradição entre a política mais rígida em relação ao uso de agrotóxicos na Europa e a liderança do continente na exportação de agroquímicos para outras áreas do mundo, com destaque para o Sul-Global, que representa um grande mercado consumidor devido às políticas mais flexíveis.
Nos últimos 20 anos, a União Europeia baniu uma série de agrotóxicos nos países membros do bloco. Além disso, com a Estratégia Farm to Fork de maio de 2020, o bloco definiu o objetivo de reduzir o uso e os riscos de pesticidas sintéticos em 50% até 2030. Contudo, os pesticidas banidos da União Europeia ainda são produzidos em larga escala por empresas sediadas no continente europeu.
Juntas, a Syngenta, com sede na Suiça, Bayer e Basf, na Alemanha, e Corteva, nos Estados Unidos, controlam 70% do comércio global de pesticidas, mercado que vem crescendo em média 4% desde 2015 e cujo valor total pode aumentar 11,5% em 2023, chegando a 130,7 bilhões de dólares. Apenas na América do Sul, a comercialização de pesticidas teve um aumento de 119,4% entre 1999 e 2020, sendo esse o continente com maior alta, com uma utilização quase 10 vezes maior que na Oceania e quase o dobro da América do Norte e da Europa.
No Brasil, 49% dos agrotóxicos utilizados legalmente são considerados altamente perigosos. Desde 2019, foram aprovados no Brasil 1.682 novos produtos agrotóxicos, desses mais de 44% foram banidos da União Europeia. Entre esses, o glifosato, agrotóxico mais utilizado nas culturas brasileiras e banido da UE por ser considerado cancerígeno. A atrazina, quinto agrotóxico mais vendido no Brasil, foi banida do bloco por ser um desregulador hormonal.
O uso de herbicidas na cultura da soja brasileira triplicou de 2002 a 2012, passando para 230.000 toneladas por ano, com aumento, principalmente, da aplicação do glifosato. Apesar desse aumento drástico nas taxas de herbicidas aplicados, os rendimentos por hectare aumentaram apenas cerca de 10%.
Enquanto que o rendimento aumentou de maneira ínfima, apesar de o uso de agrotóxicos ter aumentado drasticamente, não apenas no Brasil, mas em grande parte do mundo, as mortes por contaminação de agrotóxicos, assim como casos de de doenças crônicas, como Parkinson, leucemia, câncer de fígado e mama, diabetes tipo 2, asma, alergias, obesidade e distúrbios endócrinos, registraram um aumento preocupante e uma clara ligação com o uso de agrotóxicos.
O número total de mortes em todo o mundo por envenenamentos não intencionais por pesticidas é estimado em cerca de 11.000 por ano. Os agricultores correm um risco maior de ficarem expostos a pesticidas, mas as substâncias também podem representar riscos para pessoas fora do setor agrícola, pois os pesticidas são móveis e difíceis de controlar, contaminando facilmente a água, o solo, o ar e os alimentos.
O Brasil possui uma legislação muito mais flexível em relação à utilização, comercialização e aprovação de novos agrotóxicos do que em países da União Europeia. Com o governo Bolsonaro essa fragilidade de controle ficou ainda mais exposta. Em 2020, 7.934.306 pessoas se infectaram com agrotóxicos no Brasil, desses casos 229 foram fatais.
O limite de agrotóxicos permitido nos alimentos produzidos no Brasil pode chegar a ser 5.000 vezes maior do que os limites impostos na UE. O que é contraditório, conforme o atlas já havia evidenciado, é que a Europa importa parte significativa dos alimentos brasileiros, gerando um ciclo de contaminação, apesar da política mais rígida de controle.
Como prova da ligação entre o desenvolvimento de doenças e a aplicação de agrotóxicos, a Bayer já perdeu 96.000 processos contra pessoas que desenvolveram câncer por contato com seus pesticidas, chegando a indenizações estimadas em 11,6 bilhões de euros. Cerca de 30.000 desses processos ainda estão em andamento.
Como alternativa a esse modelo agrário que, segundo o estudo, fere os direitos humanos ao colocar em risco a vida e a qualidade dessa, além de impactar seriamente nas mudanças climáticas e na extinção da biodiversidade global, o atlas remonta às práticas tradicionais de agricultura que precedem a chamada “Revolução Verde”. Apresentada como alternativa ao combate à fome ao melhorar a produtividade, cientistas veem essa revolução, que introduziu os fertilizantes, pesticidas e monocultivos na agricultura, como algo que já começou destinado a fracassar.
A diretriz da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) também recomenda o uso de alternativas agroecológicas e a proibição de Pesticidas Altamente Perigosos (PHS). Ao citar o Movimento Sem Terra (MST) como um caso de sucesso na produção agroecológica, o atlas aponto os benefícios evidentes das práticas de rotação e consórcio de culturas, controle biológico de pragas e utilização de métodos que não empreguem pesticidas.
No entanto, essa transformação só pode ter sucesso se os governos e a comunidade internacional estabelecerem prioridades apropriadas, começando pela maior regulamentação da produção e exportação de agrotóxicos. Com isso, a Ação de Sustentabilidade dos Produtos Químicos da Comissão Europeia, estabelecida em outubro de 2020, se comprometeu a pôr fim à exportação de pesticidas proibidos na UE para outras partes do mundo. Mas isso ainda precisa ser traduzido em políticas reais.
Leia o Atlas dos Pesticidas completo.