Usina de Itaipu: Indígenas lutam há décadas pelo direito à demarcação e sofrem com a fome e falta de assistência
Na sexta-feira (19), Itaipu reconheceu violações e disse que irá indenizar comunidades; medida não reduz impactos do Marco temporal, se aprovado
“Quando não estamos em uma terra demarcada, não podemos construir nossa casa. Além de não termos acesso a serviços básicos como saneamento, saúde e educação, ainda somos proibidos legalmente de recebermos apoio institucional de prefeituras, demais órgãos, e da própria Itaipu. Se a Funai não envia alimento, muita gente passa dificuldade e fica sem ter o que comer”, conta o cacique Natalino Almeida, líder da Tekoha ITy Mirin, em Itaipulândia, a 73 quilômetros de Foz do Iguaçu, em reportagem para o Brasil de Fato.
O cacique faz parte dos cerca de 900 indígenas do povo Avá Guarani que resistem à condição de insegurança alimentar devido à desassistência direta por parte da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Eles residem de maneira irregular em uma faixa de terra de propriedade da Usina Hidrelétrica de Itaipu, situada entre os municípios de Santa Helena e Itaipulândia, no Paraná, e lutam para terem suas terras demarcadas.
Paralelo à preocupação em torno da fome vivenciada pelas famílias Avá Guarani, lideranças indígenas da região também estão atentas ao desmonte do Ministério dos Povos Indígenas e à recém aprovação do Marco Temporal, ambos na Câmara dos Deputados. Dos 30 deputados federais paranaenses, 20 foram favoráveis à aprovação do Marco Temporal, que na prática pretende acabar com a demarcação de novas terras indígenas no Brasil.
“O povo Avá Guarani não estava em 1988 nas áreas que estão ocupadas atualmente justamente porque Itaipu alagou suas terras, a Funai nunca regularizou o que precisava, o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] concedeu títulos de terras para os não indígenas, entre outras violações já definitivamente comprovadas. O STF precisa barrar o Marco Temporal para não termos um genocídio indígena muito maior em todo país e com sérias consequências aos indígenas no Oeste do Paraná”, detalha a indigenista Marina Oliveira, mestre pelo programa Interdisciplinar em Estudos Latino Americanos da Universidade Federal da Integração Latino Americana.
Resistência e lutas históricas
A história da exploração do povo Avá Guarani é antiga. O livro Avá-Guarani: a construção de Itaipu e os direitos territoriais, lançado em 2019, também enumera violações de direitos de indígenas causadas pela hidrelétrica. A obra foi escrita por servidores do Ministério Público Federal (MPF) nomeados para fazer parte de um grupo de trabalho que investigou por quatro anos a situação dos Guarani.
“A construção de Itaipu (1975-1982), realizada durante as ditaduras brasileira e paraguaia, é mais um capítulo na história de violências contra o povo Avá-Guarani”, diz a apresentação do livro.
“O alagamento das áreas e a certificação pelo Estado da inexistência de presença indígena na área – com a chancela da Funai, por meio de diagnósticos precários – causaram danos que são sentidos até hoje por esse povo. Aldeias inteiras foram alagadas, moradias foram destruídas e redes de parentesco foram afetadas.”
A administração de Itaipu registra em seu site que a construção da usina inundou territórios tradicionalmente ocupados pelos Avá-Guarani. Entretanto, diz que comunidades indígenas afetadas foram reassentadas, na época, legalmente e sob orientação da Funai.
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade, publicado em 2014, diz que a construção da hidrelétrica desencadeou uma onda de “esbulho territorial” de áreas dos Avá-Guarani durante a ditadura militar. “O caso de Itaipu é emblemático”, diz o texto.
“Após identificar os Guarani do Oeste do Paraná enquanto ‘empecilho’ para o projeto de construção da hidrelétrica binacional, […] o Estado se esforça para removê-los e expulsá-los de suas terras, utilizando-se de uma série de artifícios, inclusive a negação de sua identidade étnica por meio da emissão de ‘laudos de aculturação’.”
Por meio de sua assessoria, a Usina de Itaipu pontuou que “no momento, está em fase de estruturação, pelo Ministério dos Povos Indígenas, a criação de um Grupo de Trabalho (GT) a ser constituído por representantes do MPI, da Itaipu, lideranças indígenas da região e outras instituições para tratar de temas afeitos às questões do povo Avá Guarani na região”.
Segundo o Gestor de Sustentabilidade das Comunidades Indígenas da Usina Hidrelétrica de Itaipu, o professor universitário Paulo Porto, “não há mais que se falar em novas pesquisas para provar a presença guarani na região antes de Itaipu. Já temos muitos estudos científicos provando que houveram danos e sabemos que existe a necessidade de reparação. Esse GT será para discutir sobre quais termos isso será feito. Esta é a grande novidade”, diz.
O Ministério dos Povos Indígenas enviou uma nota, que reproduzimos na íntegra, abaixo:
“Após as eleições foi constituído o GT de transição do Governo Federal, que incluía a pauta indígena no âmbito nacional e elencou diversas urgências e emergências à nova gestão eleita. Por se tratar de um ministério novo, o Ministério dos Povos Indígenas está se estruturando para atuar na defesa dos direitos dos povos indígenas e, dentre as prioridades elencadas foi destacada a grave situação dos povos indígenas no Oeste do Paraná, devido aos impactos da construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, que impactou os povos e territórios daquela região.
Nos 100 primeiros dias de Governo, como uma de suas primeiras ações, o Ministério dos Povos Indígenas promoveu a ida de uma comitiva que esteve in loco para dialogar com as comunidades indígenas, acerca das graves violações de direitos na região. Na ocasião foi traçado um plano de ação para garantir assistência às comunidades indígenas dali. Sendo assim, está sendo finalizado um grupo de trabalho interministerial que contará com representantes de diversos ministérios, além de representantes da Usina Hidrelétrica Itaipu, com o objetivo de implementar ações de reparação aos povos do Oeste do Paraná, incluindo a efetivação dos direitos territoriais e a assistência às necessidades básicas, como alimentação.
Por fim, sobre a atuação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a mesma está em processo de reestruturação, dado que na gestão anterior teve boa parte de sua atuação paralisada, inclusive com a supressão de recursos orçamentários que levaram à falta de assistência a estes povos. Atualmente, Funai e MPI trabalham em conjunto com outras pastas para garantir formas de prestar a devida assistência a estes e outros povos.”
Via Brasil de Fato com informação da Agência Pública