Única mulher em brigada indígena do Amazonas, Maria Loli combate o fogo e refloresta
A brigada cultiva mudas, realiza doações e também se dedica ao plantio de árvores nativas para reflorestar áreas degradadas
Única mulher dentre 35 homens da Brigada Indígena Tenharim, Maria Loli chegou à aldeia Campinho há 14 anos, boa parte deles, dedicados a combater o fogo. Ela é casada com o professor Marcos Tenharim e incorporou os modos de vida e tradições indígenas desde que “casou na cultura”.
“Estou cadastrada na brigada como Maria Loli Tenharim”, se orgulha. A Brigada Indígena Tenharim-Marmelos é formada por moradores da TI, que fica em Humaitá (AM), e está vinculada ao Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), do Ibama.
Como parte do trabalho, os brigadistas realizam palestras nas aldeias sobre uso seguro do fogo. E, além dos trabalhos de prevenção e combate, cultivam mudas, realizam doações e também se dedicam ao plantio de árvores nativas para reflorestar áreas degradadas. A TI é alvo constante de invasões e desmatamento. “Com a perda florestal, os carapanãs [mosquitos] dominam e a gente fica muito vulnerável. Por causa disso, tive malária recentemente”.
Neste ano com contrato para atuar entre os meses de julho e novembro, Loli sai todo dia de casa às 6h, sem hora para voltar. Exceto quando não tem combate, pois dessa forma, se organizam em plantões. Além disso, tem ronda toda manhã e noite para monitorar a ocorrência de incêndios.
“Na semana passada, passei dez dias em combate, pois um incêndio de grandes proporções atingiu área de floresta e de roças. Uma delas, de mandioca, já estava com tudo pronto para a colheita. Tudo foi perdido. Só voltamos para casa depois do fogo ser extinto”.
E lá estava esperando seu maior fã, o filho Luan, de 10 anos. Ele fala aos quatro cantos que vai ser brigadista, tal qual a mãe. “É eu tirar a roupa e ele colocar. E eu sempre compartilho tudo. Ele gosta de ficar ouvindo as histórias que eu conto quando volto do combate”.
Loli fez o primeiro treinamento em 2013, junto a outras mulheres. “Mas aí, em 2014, quando fui para o meu primeiro combate, fui só eu. E desde então, sou só eu de mulher. Meus colegas me respeitam e meu marido me apoia”.
A brigadista conta que Luan tinha dois anos quando ela começou a atuar no combate. Ela tem outros três filhos: Ellen, Ruth e Jhonata. “Eu tenho muito a agradecer ao meu marido, que sempre me apoiou. Nessa época, ele foi pai e mãe, relembra”. O marido também está sempre junto nas provas que ela faz, quando das últimas vezes, que ela se saiu muito bem.
“No ano retrasado me saí muito bem em uma delas, que tinha que correr com uma bomba-costal com 20 litros de água por 1 km, até 20 minutos. Concluí a prova em 14 minutos”, orgulha-se. Já em outra, de capinar, rastelar e jogar o lixo, ficou em segundo lugar. “Durante todo o tempo meu marido ficava gritando, ‘vai, você vai conseguir’. Ele sabe que não quero outro trabalho nesse mundo”.
A brigadista se sente honrada em defender o território Tenharim. Ela conta que com o trabalho continuado, notadamente foram reduzidos o número de incêndios.
“A gente faz a prevenção com os aceiros, visita as comunidades, explica como tem que ser manuseado o fogo nas roças. Então, hoje os caciques nos agradecem muito por nosso trabalho”.
A brigadista conta que até a caça voltou! “É uma missão de vida para mim, que eu não quero abandonar. Faço isso porque não quero mais ver os indígenas adoecerem. Quero ver a floresta protegida. Sabe o que os incêndios fazem? Deixam as comunidades sem caça e sem peixe”. Loli conta que muitos animais morriam nos incêndios e os rios, secavam. Então, a segurança alimentar fica garantida quando os incêndios são reduzidos.
“Teve um ano que os incêndios foram tão intensos, que. ou a gente encontrava animais mortos pelo caminho, ou saía resgatando os feridos. Levamos eles para longe, como na mata perto dos rios para que pudessem se recuperar”, disse.
Loli testemunha que é preciso muita força para o combate. “Se tem uma frente de fogo, precisamos fazer o aceiro, a linha de defesa, e ficar vigiando para que ele não pule para outra área. Se o fogo se expande, você tem que ficar ali, até ele acabar”, afirma.
Ela relembra um dos anos mais críticos. “Hoje a gente conseguiu reduzir mais os incêndios por conta da prevenção que fazemos, mas em 2016, em um dos combates, tivemos que ser resgatados de helicóptero. Já vi brigadista tossindo sangue também. Quando a fumaça entra no pulmão, é isso que acontece”. Além do cansaço – são horas a fio com bomba-costais, abafadores e sopradores – a gente também corre o risco de se desidratar.
Diante de tantos desafios, Loli pediu à reportagem que “levasse um recado para Brasília”. “A gente tinha que ter um contrato anual, porque fogo tem o ano inteiro. Mas nós não podemos usar a farda sem autorização do Ibama. Podia ser melhor a remuneração também. A gente acaba tendo que investir também, em alimentação e combustível”. Como a base fica em outra aldeia, ela faz 30 km de moto, na ida e volta. “Não fica quase nada para a gente”, desabafa.
“Mas ainda assim, eu não desisto. Acho que é meu dom ser brigadista”. E assim, segue inspirando os filhos e também outras mulheres. “Já pensou se daqui há alguns anos a gente faz uma entrevista com você e seu filho falando do primeiro combate juntos?”. Loli disse que é um sonho a realizar.